Municipalismo virou uma palavra bonita na boca de parlamentares de direita e de esquerda. Falta a prática. E esta requer dinheiro e sacrifício
Por Igor Maciel*
A governadora Raquel Lyra (PSDB) fará amanhã o esperado encontro com os gestores municipais que foram eleitos ou reeleitos em 2024. A ideia é fazer um balanço dos primeiros dois anos da relação entre Palácio e prefeituras, mas haverá anúncios também.
Puxando pela memória, o momento lembra um pouco a iniciativa de Eduardo Campos, já no segundo mandato como governador, quando após as eleições municipais de 2012 reuniu os prefeitos eleitos e reeleitos para anunciar o Fundo Estadual dos Municípios (FEM).
Dinheiro
Na época, foi como atirar uma boia de emergência aos gestores submersos em débitos, cheios de despesas obrigatórias comprometendo as receitas e com pouca ou nenhuma margem para investir em obras próprias, de infraestrutura mínima para as cidades.
Doze anos depois, a situação hoje é quase a mesma, porque após a saída de Eduardo o dinheiro virou uma dificuldade para chegar diretamente aos municípios, sem falar nas barreiras e nas limitações para seu uso.
Salvação
O evento da governadora é importante para atirar, mais uma vez, alguma boia às prefeituras sempre insolventes. Ela, por já ter sido prefeita e ter enfrentado essas mesmas dificuldades, sabe onde precisa auxiliar de pronto.
Mas o pronto da fome de agora é o vazio da fome seguinte. Logo a ajuda acaba. A relação federativa entre municípios, estados e União precisa de uma reforma e as regras precisam mudar. Raquel sabe como pode ajudar, mas há leis que não dependem dela e deveriam ser discutidas pelas bancadas de deputados e senadores que falam tanto em defender prefeitos, mas preferem tê-los em dependência.
Pacto federativo
O mesmo ex-governador Eduardo Campos, pouco antes de lançar-se candidato a presidente, deu início a uma discussão sobre a necessidade de repactuação federativa no Brasil. Ele morreu e o assunto Pacto Federativo ficou em suspenso.
Passaram-se 10 anos, muitos parlamentares, por oportunismo, se apresentam orgulhosos como “municipalistas”, mas nunca nada mudou. Porque é muito melhor manter os prefeitos dependentes de emendas deles próprios do que lhes dar condição de gerenciar uma fatia maior dos recursos do pagador de impostos.
“Sou municipalista, toma aqui uma esmola e não reclama”, é a regra dos últimos tempos.
Dica
Agora mesmo, haverá uma oportunidade. Quando o Governo Federal mandar para o Congresso o ajuste fiscal, deputados e senadores poderão fazer modificações.
Que tal incluir no pacote algo que Lula (PT) não teve coragem, que é uma mudança na regra de investimento mínimo em setores como Saúde e Educação, mas não só para a União e também para as prefeituras?
A União é obrigada a investir 18% em Educação e 15% em Saúde. E a mesma regra prevê que os municípios precisam investir 25% em Educação e 15% em Saúde.
Tem que gastar
Olhando de maneira superficial, pode parecer algo maravilhoso, mas imagine duas cidades vizinhas, com arrecadação similar. Uma reformou escolas, formou professores e tem nota muito alta nas avaliações nacionais.
A outra não tem uma população em idade escolar muito grande, há poucas crianças e a despesa com o setor não precisaria ser expressiva.
Mas as duas são obrigadas a usar 25% de sua receita líquida em Educação, independente de suas particularidades.
Genérico
Não xingue o colunista achando que ele não apoia a educação. Longe disso. Acontece que regras genéricas aplicadas em superfícies sociais e administrativas diferentes produzem anomalias. Tem município que não consegue gastar tudo e precisa inventar despesa para justificar.
Esse dinheiro poderia ser utilizado em outras áreas carentes. Mas dá improbidade administrativa para o prefeito que fizer isso.
Prioridades
A cidade que já tem educação de qualidade poderia usar as verbas em outras necessidades, mas falta dinheiro porque ele está investido em educação, obrigatoriamente. A outra cidade, mesmo sem ter muitas crianças em idade escolar, precisa investir 25% na área, então acaba inventando despesas que as justifiquem.
Ambas precisam de mais ruas calçadas e investir mais em limpeza urbana, por exemplo, mas não tem dinheiro, porque 25% da receita está comprometida.
Dependência
Qual a solução que existe para isso? Pedir emendas e ficar dependente de reeleger os deputados que as destinam.
Por isso, os prefeitos vivem de pires nas mãos. E por isso os deputados não querem saber de lhes dar qualquer independência.
O municipalismo virou uma palavra bonita na boca de parlamentares de direita e de esquerda. Falta virar prática. A prática requer dinheiro e sacrifício político. O dinheiro pode até aparecer, mas o sacrifício político é outra história.
Se entenderem
A questão é que todos os eleitores do Brasil estão nos municípios. É o lugar onde eles vivem, sofrem e votam. Os políticos mais próximos deles são os prefeitos e os vereadores. No dia em que os gestores municipais entenderem a força que tem se trabalharem unidos, a coisa muda. Mas, pelo jeito, vai demorar.
*Jornalista e colunista do JC