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A mecanização para a pequena e média propriedade; força humana e a tração animal

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Foto: reprodução

Por Geraldo Eugênio / Jornal do Sertão

Assume-se que, durante milhares de anos após o surgimento da agricultura, a força motriz por trás do preparo do solo, plantio, limpeza, colheita e beneficiamento se dava pelo uso de instrumentos simples, quase rudimentares, destacando-se a lança pontiaguda, que não servia apenas como um instrumento de defesa, mas como o principal equipamento no preparo das covas ou sulcos para o semeio da cevada, centeio e trigo, tendo como referência o centro de origem da Ásia Menor. Em seguida, além da descoberta da enxada, verificou-se que alguns animais poderiam também ser usados para puxar o arado, destacando-se o uso do boi e do burro.

O ganho era significativo: o trabalho de um homem por dia era suplantado em cerca de dez vezes pela tração animal. Muitos países se destacaram nesse tipo de tecnologia, especialmente a Índia. Não é à toa que a vaca é um animal sagrado pelos hindus, o que, em parte, se explica pelo uso na agricultura, mas também pelo fato de que, caso a população indiana como um todo fosse consumidora de carne bovina ao longo dos séculos, onde o país encontraria força de trabalho suficiente para alimentar milhões de pessoas?

Outro aspecto a ser considerado é que, em toda a Ásia, a densidade habitacional é superior à da Europa e das Américas, o que obrigatoriamente leva seus povos a adotarem sistemas de agricultura intensiva, aproveitando toda a área agricultável, a água e o clima. Na maioria dos países predomina o minifúndio. Milhões de pequenas propriedades com áreas inferiores a um hectare são responsáveis pela produção massiva de alimentos e matérias-primas industriais, incluindo a cana-de-açúcar. À medida que esses países se industrializaram após a Segunda Guerra Mundial, e sabendo que não poderiam contar com as empresas multinacionais de máquinas e implementos agrícolas – já que seus tratores eram essencialmente direcionados para grandes áreas –, incentivaram a indústria local, abrindo espaço para um dos segmentos mais dinâmicos no mercado continental.

O Brasil nunca teve uma política de mecanização para o pequeno

No Brasil, com algumas exceções, pouco se investiu em uma indústria de máquinas voltada para a pequena e média propriedade. As várias versões do Moderfrota tiveram como objetivo a mecanização da atividade agrícola no cerrado, no setor sucroenergético e no café, deixando de fora a principal fração de pequenos e médios produtores, a maioria denominada agricultura familiar.

Alguém pode argumentar que há linhas específicas para a aquisição de máquinas e implementos pelos agricultores familiares – é verdade –, mas o não uso intensivo desses recursos ocorreu por duas razões simples. A primeira é que não havia esse tipo de equipamento no mercado. Os menores tratores, com exceção dos modelos Tobatta, subsidiária da japonesa Kubota, tinham uma potência superior à necessária para os pequenos imóveis. Posteriormente, a Kubota passou a negociar as máquinas com o nome original da empresa, integrando-as ao mercado de grandes produtores.

A segunda razão é ainda mais intrigante. Somente recentemente segmentos do governo, associações de produtores e movimentos sociais com ação no campo perceberam que o modelo adotado na China, com ênfase no uso intensivo de tecnologia agrícola para o pequeno produtor, era o mais adequado ao desenvolvimento de pequenas fazendas e assentamentos, uma vez que intensificava a produção, agregava valor e beneficiava os produtos agrícolas.

Isso representou uma mudança radical no discurso, antes centrado no camponês idílico, com seus equipamentos manuais voltados apenas para a produção de alimentos de subsistência e a comercialização de um excedente quase inexistente.

O Agrishow do Semiárido

Vale um registro histórico: as primeiras edições da feira de inovação tecnológica, a Agrishow do Semiárido, iniciadas em 2003, foram fruto de uma iniciativa da Embrapa e da Abimaq – Associação Brasileira de Máquinas Agrícolas –, que à época contava com o Secretário de Indústria e Comércio de Pernambuco, Sr. Alexandre Valença, como um de seus diretores regionais. Em discussões com Alexandre e a direção da Abimaq, destacava-se a oportunidade aberta para pequenos fabricantes de implementos e utensílios agrícolas no semiárido e como o evento poderia ser fundamental para formalizar negócios, garantir apoio creditício e estimular o crescimento dessas empresas.

Dois exemplos marcaram esse evento: a empresa Midian, em Pombos, que produzia sistemas mecânicos para casas de farinha da Mata e do Agreste; e o artesão Senhor Elias, que, em uma oficina simples, fabricava uma máquina picotadora de palma forrageira no formato de uma serra de fita. A empresa de Pombos continua existindo, hoje cercada por galpões de outras atividades, mas não conseguiu expandir. Já o Senhor Elias, sem apoio para aprimorar sua máquina, precisou encerrar suas atividades devido à idade.

Em uma coluna anterior, mencionei a primeira exposição de máquinas e equipamentos voltados ao pequeno produtor no Brasil. Isso ocorreu em 1996, durante a Exposição Nordestina de Criadores, no Parque de Exposições Antônio Coelho, no Cordeiro, então sede da Secretaria de Agricultura do Estado de Pernambuco. Esse evento teve o envolvimento direto de três personagens: o governador Miguel Arraes, o presidente do IPA, Júlio Zoé de Brito, e o representante da província chinesa de Sichuan, Sr. Jiang Zhi.

As notícias atuais indicam o crescimento de marcas chinesas e indianas de tratores no mercado brasileiro, como YTO, Lovol, Foton, Mahindra, Sonalika e Farmtrac. Essas marcas são bem-vindas, considerando o mercado aberto para a mecanização de pequenas e médias propriedades rurais no Brasil. Contudo, permanece a questão: por que o Brasil, apesar do crescimento na produção de alimentos e matérias-primas nas últimas décadas, não conseguiu estabelecer empresas que atendessem ao mercado interno e competissem internacionalmente no segmento de tratores, semeadeiras e colheitadeiras?

Há, no entanto, um despertar: o mercado, com mais de dois milhões de imóveis rurais somente no Nordeste, ainda espera por soluções. Esse é um setor que a nova política industrial do governo federal, com apoio dos estados e municípios e a participação da sociedade, poderia priorizar.

*Professor Titular da UFRPE-UAST e colunista do Jornal do Sertão

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