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A identidade comestível do Nordeste

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Por Antônio Campos

Se nós somos o que comemos, os homens e as mulheres do nordeste do Brasil são extremamente fortes e resilientes. Haja vista as feijoadas e xinxins dos quilombos que ainda mostram resistência em pontos espalhados da região. Mas, dentre todas as várias qualidade que são, posso escolher dizer que a pessoa do nordeste são muitos. Ela se varia versatilmente por todo o território, do acarajé baiano à goma cearense.

No próximo dia 19 de agosto, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) lança o livro Nordeste – Identidade Comestível, escrito pelo jornalista Bruno Albertim e registrado em imagens pelo fotógrafo Emiliano Dantas. Longe de ser um livro de receitas, mas eternizando diversas destas, a obra, parceria entre a Fundaj e o Jornal do Commercio, é um estudo antropológico complexo e abrangente, que explora quem é o homem do Nordeste a partir de sua relação com a comida e, mais ainda, de sua relação entre si diante da comida.

Viram, por exemplo, a quiabada, útil para catalisar a sociabilidade de sergipanos, tornando reuniões informais, de família, amigos ou colegas de trabalho, em agradáveis e reais encontros. Ou as peritas fábricas de chocolate nutridas pelo cacau de Ilhéus, na Bahia. No auge, havia fazenda até com cinemas particulares. Se pensarmos, era o alimento real levando ao derramamento de alimento para a alma, a cultura. Quando se há fartura do que comer, há também mais condições mais favoráveis para estimular a imaginação.
Mas quando não há fartura, também se dá um jeito, porque a alma não pode desfalecer. Vemos isso na incrível cultura negra renascida, fervida e mantida viva durante e para além do período de escravidão no Brasil. Cultura essa que abarca uma cozinha deliciosa e riquíssima. E assim voltamos ao trabalho em pauta, que lhe engloba de maneira tão deleitosa.

O lançamento do livro, virtual, diante da pandemia que nos força ao isolamento, é um símbolo oposto ao que os autores viveram para criar a obra. Nesta quarentena, ler Nordeste – Identidade Comestível pode causar uma inevitável vontade de viajar pela região e experimentar a variedade de sabores que ela propões. Bruno e Emiliano enfrentaram mais de 11 mil quilômetros de pesquisa! Foram do sul da Bahia ao norte do Maranhão, fosse necessário sentar em barcos minúsculos ou gastar o solado do quer que decidissem usar para percorrer tamanha viagem.

Quem ficou na Fundaj vendo Bruno e Emiliano partirem, ansioso pela volta e para ver o trabalho pronto, foi a brilhante coordenadora da pesquisa, Ciema Mello, que assina o posfácio da obra. O prefácio foi escrito pela amiga e imortal da Academia Pernambucana de Letras Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti, que, também maravilhosamente, introduz a obra e dá um gostinho – com perdão pelo trocadilho – do que está por vir. Ela o preparou como um aperitivo perfeito, abrindo o apetite para a grande refeição que já está pronta, fumaçando de tão quente e exalando seu cheiro nas páginas seguintes.

Traz, por exemplo, a lembrança de que São Luís, uma das capitais nordestina, foi por 20 anos o centro da França Equinocial, e a influência que essa presença tem na comida que temos hoje na região. Esmiúça a origem da galinha de cabidela, vinda do poulet de barbouille francês, com a retirada do champignon e do vinho tinto, mas que todos pensam ser algo brasileiro, africano ou, no máximo, português.

São, então, curiosidades, história, antropologia e um pouco de gastronomia, numa mesma obra, que não se perde em nenhuma de suas áreas.

*Presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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