Por Wesley Oliveira / Gazeta do Povo
A Câmara dos Deputados desengavetou uma proposta de emenda constitucional (PEC) que inclui entre as prerrogativas do Congresso o poder de sustar atos normativos do poder Judiciário. A PEC 125 foi apresentada pelo deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) em 2015. O objetivo, segundo defensores da proposta, é coibir o ativismo judicial. A proposta estava parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa desde 2019, mas foi resgatada nos últimos dias.
Autora da PEC do voto impresso, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) é relatora dessa nova proposta. Ela tentou avançar com a matéria nesta semana dentro da CCJ, comissão que ela preside. Contudo, um requerimento de retirada de pauta acabou aprovado por um placar de 31 votos a 30, adiando a discussão para a próxima semana.
A Constituição Federal de 1988 legitima o controle entre os poderes a partir do chamado sistema de freios e contrapesos. A PEC 125 traz em sua ementa a sugestão de alterar o artigo 49 da Carta Magna, de maneira a ser possível “sustar Atos Normativos do Poder Judiciário” que “exorbitem do poder regulamentar”, dando à Câmara e ao Senado essa competência.
“O Estado Democrático de Direito somente poderá existir se cada um dos poderes agir estritamente no seu âmbito de atuação, não interferindo nas competências constitucionais e infraconstitucionais conferidas a outro poder”, justifica o relatório de Kicis.
De acordo com a relatora, é preciso coibir o “ativismo” do Judiciário, que “tem assumido cada vez mais um papel de protagonista como agente político, com interferência no espaço de competência e atuação dos demais Poderes”.
“Em virtude da intensificação do ativismo judicial protagonizado, no Brasil, principalmente pelo Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário tem exorbitado das suas atribuições constitucionais para invadir, de modo flagrante, a competência do Poder Legislativo. Assim, tem atuado como legislador ordinário, em verdadeira sublevação do esquema constitucional de repartição de funções.
Argumentos a favor da PEC 125
Em seu relatório, Bia Kicis elenca uma série de decisões proferidas pelo Judiciário que, pela Constituição, seriam de prerrogativa do Legislativo. Entre elas, o mandado de injunção nº 4733, de 2019, em que o STF permitiu a criminalização da homofobia e da transfobia.
Sem uma legislação aprovada pelo Congresso, a maioria da Corte entendeu que atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais deveriam ser enquadrados no crime de racismo. Durante a votação, a ministra Cármen Lúcia alegou que o Congresso foi inerte até o momento, acrescentando que os episódios reiterados de ataques contra homossexuais revelam “barbárie”. O mesmo entendimento foi dado pelo ministro Gilmar Mendes, para quem a falta de uma legislação afronta, ainda, a dignidade humana.
“Resta claro que a mora legislativa discutida consubstancia inegável insuficiência na proteção constitucional que determina a criminalização da discriminação atentatória à dignidade humana”, disse Mendes na ocasião. Ao todo, oito ministros votaram pela criminalização e três foram contra.
De acordo com Kicis, a decisão do Congresso de não legislar sobre um tema não deve ser usado pelo STF para se sobrepor a outro poder. “As dificuldades naturais para a formação de consensos em temas complexos ou a decisão de não legislar a respeito de um tema ou de não cominar pena a determinada conduta não podem ensejar ao Poder Judiciário, sob nenhum pretexto, a subversão do esquema organizatório funcional estabelecido na Constituição”, argumentou a deputada em seu relatório.
Tema pode gerar novos embates entre os poderes
Líderes partidários admitem que o placar apertado na CCJ, que teve apenas um voto a mais pela retirada de pauta nesta semana, é um sinal que o assunto deverá gerar novos embates dentro do Congresso. Além do governo, líderes do PSL, Novo e Avante orientaram contra a retirada de pauta. Apesar de não se manifestarem durante a votação, deputados de PL, PSC, Republicanos, DEM e PSD também votaram contra o requerimento.
“Queremos que o Supremo faça aquilo que é competente a ele, e não fazer interferências indevidas, agir como agente político”, disse o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ).
Os partidos de oposição, junto com PSDB e MDB, votaram a favor da retirada de pauta. Para o deputado Orlando Silva (PCdoB), a articulação é uma tentativa da bancada bolsonarista de “retaliar” o Judiciário depois da derrota do voto impresso no plenário da Câmara.
“Esse projeto surge quase como uma tentativa de retaliação, porque no debate que fizemos aqui sobre o voto impresso, muitos devem se recordar, que a relatora atacava o Supremo sob o argumento de que o Supremo e o TSE estavam interferindo nos debates do Legislativo. É nitidamente uma tentativa de retaliação”, argumentou Silva.
Já o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) defendeu o debate, mas afirmou que a ocasião escolhida para votar o projeto era inadequada. “Estamos vivendo um momento bem delicado, de ataque direto ao Supremo Tribunal Federal, de proselitismo, ofensa, gente querendo fechar o tribunal, falando do que não sabe”, pontuou.
Caso seja aprovada na CCJ, a PEC 155/15, se não for criada uma comissão especial para melhor análise da proposta, entra no rol de pautas a serem discutidas no plenário da Casa. A decisão de levar a matéria à apreciação em plenário é do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).