Cuba me fala de muito perto. Como redator e apresentador de noticiários radiofônicos, passei dois anos ao microfone da Rádio Independente falando em Fidel na Sierra Maestra, em 1957 e 1958, até a queda do ditador Fulgencio Baptista, no início de 1959. Confesso que também fui influenciado pela reportagem de Herbert L. Matthews, do New York Times, de fevereiro de 1957, que mostrava um Fidel democrata, com um exército pronto para derrubar Batista, quando, na verdade, tinha pouco mais de 20 homens e era um comunista no armário. A história daquela narrativa resultou no livro O Homem que Inventou Fidel, de Anthony DePalma, também do NY Times.
Nos anos 60, Cuba exportava La Revolución para a América Latina, criando “muitos vietnames” – quase se chegou a isso no Chile de Allende. Foi um período de milhares morrendo nas prisões políticas e de um número calculado em até 17 mil fuzilados no paredón. Em 1982, nos céus de Angola, precisei pilotar um bimotor sem ter brevê, porque o piloto apagou e só estávamos ele e eu. Quando o piloto acordou, constatou que eu havia saído da rota segura e estávamos acima de baterias cubanas. Eles demoraram a perceber e nos safamos, voando baixíssimo. Por fim, Cuba me fala perto, porque prezo muito os cubanos que conheço, refugiados aqui em Brasília; alguns foram apresentados ao vinho em minha casa.
Nos anos 80, meu companheiro de almoços, o então embaixador de Cuba Jorge Bolaños, figura importante do regime, me dizia, em tom de piada, que Fidel aprendeu com o carro inglês: “Hace los cambios com la izquierda, pero maneja com la derecha”. Enquanto durou a ditadura soviética, Cuba teve ajuda econômica; depois de 1989, começou a afundar. Agora os cubanos chegam ao limite. Por 62 anos privados de liberdade, estão explodindo, mesmo sem armas. Na Romênia o regime também proibiu armas e Ceausescu, 24 anos de poder absoluto, foi derrubado pelas mãos do povo desarmado e pelas tropas que ficaram ao lado do povo. Como no início da queda do comunismo na Romênia, o regime está reprimindo os cubanos nas ruas das cidades, onde se clama por Cuba libre, e por Libertad – palavras banidas por seis décadas.
A reação do povo cubano derruba as narrativas sobre o modelo totalitário que pretende preencher o vácuo deixado pelo fim do Kremlin comunista; sobre um regime que acena com igualdade e bem-estar, mas fracassa em ambos e tira a liberdade. Que cria a casta da nomenklatura do partido. Uma utopia que vende sonhos e se transforma em pesadelo.