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Educação: O Brasil optou por manter as escolas fechadas tempo demais

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Por Claudia Costin*

Professora universitária da FGV-RJ e da Harvard, Claudia Costin concedeu entrevista exclusiva a Oeste para falar sobre os efeitos da pandemia de covid-19 na educação brasileira. Durante a conversa, a ex-secretária de Estado da Cultura em São Paulo e ex-ministra da Administração e Reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) discorreu sobre os problemas sanitários, econômicos, educacionais e institucionais que o Brasil enfrentou — e ainda enfrenta — durante o período de pandemia.

1 — O que é possível aprender com a pandemia de covid-19?

Há muito que aprender com a covid-19. Foi uma crise multifacetada: sanitária, econômica, educacional e institucional. O que podemos aprender é que a ciência importa. É importante que as pessoas se informem [e entendam] que fato é diferente de opinião. Nunca foi tão urgente ensinar às crianças, aos jovens e mesmo aos adultos, alguns até com nível universitário, a importância de se basear em evidências científicas. Há outros aprendizados que vêm da covid-19, específicos para a educação: de alguma maneira, na dor, o Brasil aprendeu que conectividade é extremamente importante no mundo de hoje. Se outra pandemia aparecer, nós, certamente, em virtude da aceleração da inclusão digital decorrente do ensino remoto, estaremos um pouco mais preparados. Mas, para isso, é fundamental que se trabalhe muito mais a formação continuada em serviço dos professores, tanto para desenvolver competências digitais quanto para prepará-los para outra forma de ensino presencial, com uso de metodologias ativas, aulas mais engajadoras, que ensinem a pensar matematicamente, cientificamente, historicamente. São múltiplos aprendizados que tivemos neste período.

2 — O Brasil é um país onde há desigualdade educacional. A pandemia de covid-19 ressaltou essa deficiência?

No período pré-pandemia já havia uma grande desigualdade educacional. Quando a gente lê os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), fica claro o fato de que o Brasil foi considerado um dos países mais desiguais do ponto de vista educacional. A pandemia certamente agravou essas desigualdades educacionais. Se olharmos para o significado de nove meses sem aula, com estudantes isolados em famílias que não têm livros em casa, em cômodos inadequados para o aprendizado, enquanto outros estão em famílias que têm repertório cultural mais vasto, com livros em casa, com conectividade, com um equipamento para cada criança, a gente se dá conta do abismo educacional que vamos viver no pós-pandemia. O Brasil optou por manter as escolas fechadas tempo demais (comparativamente a países com mesmo nível de desenvolvimento). Nós vamos pagar um preço alto por causa disso. Precisamos ter consciência de que, na volta às aulas, para além de nivelar os conhecimentos dos alunos, vamos ter de montar um sistema de recuperação de aprendizagem que, provavelmente, vai levar mais de um ano para que esses conhecimentos sejam repostos. A decisão de manter por tanto tempo as escolas fechadas deveria ser tomada com mais cuidado.

3 — As crianças ficaram longe da escola durante quase todo o ano passado. Há consequências psicológicas?

Ficar longe das escolas, segundo os pediatras, trouxe problemas não só de não aprendizagem por parte das crianças, mas também para a introdução à vida em sociedade. Com certeza houve, de acordo com os pediatras, danos psicológicos complicados entre as crianças. Eu queria também dizer que não foi só o dano resultante de não interagir com outras crianças e jovens; falta de exposição ao ar livre também trouxe consequências. Infelizmente, muitas crianças e jovens estiveram expostos à violência doméstica e à violência sexual. É bom lembrar que a escola, especialmente a escola pública, tem dentro dela uma rede de proteção social capaz de detectar sinais estranhos no comportamento das crianças. Então, as escolas estão muitas vezes preparadas para acionar o Ministério Público e entidades de proteção à infância. Isso foi desmontado com as escolas fechadas.

4 — Como serão as escolas pós-covid-19? Quais mudanças terão de ser feitas?

As escolas pós-covid-19 terão de lidar com o legado negativo que esse quase um ano sem acesso às aulas presenciais trouxe para crianças e jovens. Eu queria enfatizar um dos legados negativos, que é o próprio abandono escolar. Muitos jovens perderam o vínculo com a escola e não pretendem retornar. Uma pesquisa recente do Conselho Nacional de Juventude mostrou que 28% dos jovens, perguntados se gostariam de voltar aos estudos, disseram não ter intenção de voltar. É uma tragédia em tempos de quarta revolução industrial, em que haverá uma extinção acelerada de postos de trabalho,  não só daqueles trabalhos que demandem esforço físico, mas também dos que demandem competências intelectuais mais simples. Não ter sequer concluído o ensino médio não deixará a juventude pronta para os desafios que o mundo no século 21 apresenta. Por outro lado, a gente pôde constatar que a aceleração da inclusão digital, que de uma maneira ou de outra aconteceu neste período, inseriu os professores no processo de reinvenção profissional. Com isso, eles poderão desenvolver em seus alunos as competências para o século 21. Algumas mudanças acontecerão, sobretudo pela forma do retorno às aulas na etapa final da pandemia. Como teremos de dividir as turmas e organizar um rodízio de alunos, isso fará com que o ensino híbrido seja introduzido. Se tivermos boas políticas públicas, isso poderá ser trabalhado.

5 — Quais serão os critérios para avaliar a qualidade da educação pós-pandemia?

O Brasil já tem critérios para avaliar a qualidade da educação. Temos desafios imensos — fomos um dos últimos países a universalizar o acesso ao ensino fundamental —, mas passamos a construir uma política pública centrada em dados. Desde 2005, os resultados de aprendizagem do Fundamental I vêm melhorando; nas quatro últimas edições do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), os resultados do Fundamental II melhoraram; e, finalmente, em 2019, até o ensino médio, que estava estagnado num patamar muito baixo, deu um grande salto. Algo está em andamento, embora um pouco devagar. Além disso, o Brasil criou seu currículo nacional e também os currículos estaduais para educação infantil e fundamental. O currículo do ensino médio está sendo escrito e será concluído neste ano, acabando com a ideia de ter 13 matérias em 4 horas de aula, caminhando para prorrogar a jornada escolar e ao mesmo tempo constituir, como fazem os outros países com sistemas educacionais melhores do que os nossos, itinerários formativos distintos em que se possa ter um aprofundamento das aprendizagens.

Ex-secretária de Estado da Cultura em São Paulo*

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