Glória Maria dá exemplo ao dizer que nunca se sentiu ofendida ao ser chamada de ‘neguinha’, termo que classificou como carinhoso; ao proibir a liberdade de expressão, grupos radicais tolhem a livre manifestação de pensamento
Por Paulo Matias da Rádio Jovem Pan / Foto: reprodução
Dias atrás, ao acordar e ler as notícias em destaque, percebi que faço parte de um mundo sem parâmetros, cada vez mais chato, que decide o que é certo, sem ao menos encontrar uma definição convincente para tal. Uma das manchetes que me chamou a atenção foi a entrevista da apresentadora, Glória Maria à Joyce Pascowitch, postada em suas redes sociais, em que afirmou ser totalmente contrária a esse posicionamento. Glória, em seu discurso, ressalta que nunca se sentiu perseguida, em seus 40 anos de carreira televisiva, quando alguns colegas de trabalho se dirigiam a ela como “neguinha”, um termo carinhoso, na visão da jornalista. Depois de ter se posicionado dessa forma, como era de se esperar, Glória foi bombardeada por seguidores militantes, que se disseram ameaçados em seu lugar de negros, mulheres que se sentem assediadas e outros grupos, declarando-se excluídos e afetados por um vocabulário, por vezes, inadequado ao seu lugar na sociedade. Todos em frente às câmeras, pousando de defensores dos oprimidos, mas, no backstage, agindo como contrários à liberdade de expressão, colocando as pessoas em um estado constante de apreensão sobre o que podem ou não falar.
Ao declarar ser livre e rebelde, a jornalista apontou que essa questão do assédio moral e sexual tem sido banalizada, na medida em que uma simples “paquera” é interpretada como assédio, uma palavra mal colocada é vista como moralmente persecutória, e tudo que se faz e se diz tem que, necessariamente, passar por um crivo de censura que ultrapassa o olhar racional dessas questões e não leva em consideração, em nenhum momento, a real intenção da pessoa. Agir com honestidade, ter a capacidade de olhar para o outro sem julgamento prévio e não levar ao extremo quaisquer atitudes que possam parecer o que, na realidade, não são. Isso deveria ser o politicamente correto.
Quando Glória fala da chatice do mundo moderno, me vem a ideia de que uma sociedade que opte por qualquer manifestação de censura estará ameaçando os preceitos de liberdade de expressão, que fazem parte da Constituição de países democráticos como o nosso. Assim, grupos de pensamentos opostos precisam ter a humildade de escutar ideias que se desloquem de seu ponto de vista, sem julgamento, com a possibilidade de colocar um olhar próprio, ouvir o lado contrário, buscando equilíbrio entre as partes. Ao compartilhar das ideias da jornalista, a respeito, mais uma vez, da chatice do mundo atual, li, recentemente uma nota sobre uma cena bizarra, em que o cidadão questionou publicamente seu receio em publicar um anúncio sobre a venda de um “macaco de carro”, o que poderia gerar uma conotação racista. E isso leva ainda mais longe, quando se pensa em mudar determinadas palavras do dicionário, tidas como excludentes de grupos sociais, ou com intenção de ofender determinados clãs. Uma realidade em que expressões, por exemplo, “como você sabe” são tidas como uma microagressão; unhas compridas e decoradas, consideradas “apropriação cultural”, e que reforçam meu apreço pelas ideias de Glória, no que se refere a esse exagero totalitarista que permeia nossa sociedade e desvia o curso da cultura.
Com essa inversão de valores e interpretações desacertadas, esse temor de infringir as “regras” paira no ar até de ambientes como o de empresas, em que executivos buscam adequar seu repertório de linguagem ao se dirigir a funcionários, sempre atentos a algum deslize que possa surgir na fala de seus superiores. Ao ousarem se dirigir a quem quer que seja, em especial a uma mulher, como “a morena que senta à minha direita”, a guerra está armada e o tiros virão de lados que não se espera. Sem que possam se defender, serão crucificados como racistas e perseguidores da figura feminina, denegrida por um simples e inofensivo “morena”. Ao proibir a liberdade de expressão e censurar ideias tidas como “ofensivas” a determinados grupos, o “politicamente correto” cerceia os caminhos da liberdade de expressão e tolhe a livre manifestação de pensamento, na tentativa de padronizar essas ideias e traçar um mecanismo que nos faça pensar e agir de forma mecânica e uniforme. Hoje, o critério de liberdade de expressão traça um caminho, em que é lícito aquilo que vem de encontro a meus ideais; o contrário deve ser descartado.
Isso tudo traz à tona a sensação de um Brasil às avessas, com urgência de muitas Glórias, que enxerguem os fatos como eles são, sem interpretações intencionais, abortando sentimentos inoportunos, com teores discriminatórios. Basta de “não me toques”. Vamos escutar mais, compreender lados opostos, não esquecendo que somos cidadãos livres em nossas expressões e ideais, para que possamos continuar fazendo parte de uma realidade de democracia e respeito ao pensamento alheio.