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Abertura das escolas

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Por Maurício Rands*

“Professora, prometo não reclamar nunca mais por ter de vir pra escola” (Hugo, 11 anos, filho de Guilherme Alves, procurador da fazenda nacional).

“Foi o melhor dia da minha vida (Lucas, 7 anos, aluno do Instituto Milaflores, em Laranjeiras, no Rio, no dia em que voltou à sua escola, reaberta seguindo decisão do TRT-1)

A incerteza sobre a data da reabertura das escolas parece não levar em consideração os diretamente interessados, as crianças. Esses seis meses em que nossas crianças e adolescentes estão sem escola vão prejudicar seu desenvolvimento cognitivo, emocional e social. O atraso vai ter consequências para sua capacidade intelectual, profissional e produtiva. Os países desenvolvidos abriram suas escolas até mesmo antes das outras atividades. Isso pode aumentar o fosso de produtividade e capital humano entre esses países e aqueles que, como o Brasil, deixaram suas crianças sem esse direito essencial por mais tempo. Aqui algumas escolas particulares voltaram. Mas todas as públicas continuam fechadas. Cresce a distância entre as classes sociais num dos principais itens que vão determinar as oportunidades de vida da geração hoje em idade escolar. São as mais pobres que precisam da escola pública. Às vezes até mesmo para a merenda. E que ficaram em casas geralmente pequenas, com a família submetida a uma carga adicional de estresse.

No debate sobre a pandemia muito se falou em respeitar a ciência para que as pessoas ficassem em casa. Embora poucas pudessem fazê-lo. Para os que invocaram as evidências objetivas da ciência, fica o desafio. Que a mesma invocação da ciência seja dedicada à questão da volta às aulas. E aí a ciência mostra os danos psíquicos e pedagógicos para as crianças privadas do ambiente escolar.

As reaberturas parciais na Europa começaram já na 2ª quinzena de maio em quase todos os 27 países. A Agência Europeia de Controle de Doenças Transmissíveis (ECDC) publicou relatório no último dia 7/8. Concluiu que: i) a reabertura das escolas não teve impacto sobre a transmissão comunitária; ii) fechar escolas não é, isoladamente, medida eficaz para conter a transmissão; e, iii) abrir ou não é uma decisão que depende da capacidade de implantar outras medidas de controle de contágio. Uma pesquisa da Agência Pública de Saúde da Suécia (www.fokhalsomyndigheten.se/publicerat-material/)  com dois países que adotaram estratégias opostas concluiu que a interrupção das aulas não teve efeito mensurável nos casos de Covid-19 entre as crianças (Suécia, que nunca fechou o ensino primário e Finlândia que fechou entre 18/3 e 13/5). Na França, depois da reabertura, por causa de novos surtos, foram fechadas 80 escolas, num universo de 60 mil escolas.

O risco de transmissibilidade do vírus aos adultos, pelas crianças, não se confirmou. Elas próprias são menos susceptíveis, como se sabe. São 24% da população e apenas 2% dos casos de contaminados (0,1% foi a óbito). Para proteger os adultos, pode-se implantar um protocolo rígido de retorno gradual. Com rodízio entre alunos, mas também entre professores e funcionários. Com testagem, higienização, equipamentos e ampliação de espaços nas escolas. Para reduzir o risco de professores e funcionários com o transporte público lotado, o governo federal poderia aportar recursos para que eles recebessem vales para aplicativos de táxi e uber.

O negacionismo do presidente Bolsonaro no meio-ambiente produziu a tragédia de um Pantanal em chamas. Agora está afetando a educação dos nossos jovens, sobretudo os que dependem da escola pública. Esse negacionismo contumaz impediu-o de mandar o MEC apoiar as secretarias de Educação de estados e municípios. Como lembrou Vera Magalhães (Estadão, 20/9), o MEC deveria ter coordenado a definição de critérios para a volta: qual a curva de transmissão aceitável? Qual o percentual de alunos por turno? Quais os insumos e instalações mínimos? Como conciliar aulas presenciais e remotas? Qual a rotina de testagens? Qual a estratégia de manejo nos casos de alguma escola com foco de contágio? Foi com planejamento desse tipo que as escolas europeias já voltaram há muito. Antes dos shoppings, bares, restaurantes, hotéis e praias. Áreas que no Brasil parecem ter prioridade sobre a educação.

*Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

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