Por Sergio Roxo, de O Globo
Apesar do apelo de parte das lideranças do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem rejeitado em conversas com aliados fazer uma inflexão no discurso que adotou desde que deixou a prisão no dia 8 de novembro. O plano do petista é manter os ataques ao presidente Jair Bolsonaro e investir para consolidar a polarização, numa tentativa de evitar o surgimento de um nome de centro para a disputa de 2022.
Um dia após ser solto, ao discursar no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, Lula relacionou Bolsonaro com as milícias e chegou a dizer que os brasileiros deveriam seguir “o exemplo do povo do Chile”, que tomou as ruas do país em protestos que resultaram em mais de 20 mortes nos últimos meses.
O argumento de Lula é que, desde a eleição presidencial de 1989, o PT ocupa um dos polos da política brasileira. O outro lado é que mudou de Fernando Collor para os tucanos, e agora para Bolsonaro. Apesar de ter conseguido a liberdade, o ex-presidente segue com os direitos políticos cassados por causa das condenações na Lava-Jato, que o enquadram na Lei da Ficha Limpa.
A defesa do petista ainda tentará anular no Supremo Tribunal Federal (STF) as condenações com o argumento de que o então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, foi parcial na condução dos processos. No entanto, mesmo que não possa se candidatar em 2022, Lula tem a intenção de ser um cabo eleitoral importante na corrida pelo Palácio do Planalto.
Um dos petistas com mais acesso ao ex-presidente afirma que os que pregam contra a polarização estão, na verdade, tentando viabilizar a construção de uma candidatura de centro para a próxima eleição presidencial. De acordo com esse aliado, o tom de Lula deve ser o que ele apresentou na abertura do congresso do PT, realizado em São Paulo, em novembro.
Naquela ocasião, o petista defendeu de forma enfática a polarização com o governo Bolsonaro, mas ressaltou que, nos tempos em que esteve no Planalto, não adotou medidas radicais que ameaçavam a democracia. Esse mesmo dirigente argumenta que as portas para conversas com representantes de outras correntes ideológicas não devem ser fechadas, mas “para negociar com o centro é preciso ter autoridade primeiro com a esquerda”.
Pressão por novo tom
Para um outro grupo de petistas, porém, o ex-presidente deveria adotar de forma clara o papel de pacificador do país para poder alcançar uma parcela mais ampla da população. A definição de um tom adequado para os discursos de Lula seria, para essas lideranças, o grande desafio do PT no começo de 2020.
Caso mantenha o tom atual, Lula, na visão dessa ala de petistas, continuará tendo aceitação de apenas cerca de um terço do eleitorado mais simpático à esquerda. Essa parcela é insuficiente para conseguir uma vitória numa eleição disputada em dois turnos. O grupo ainda não chega a atuar em conjunto nesse esforço de fazer com que o líder petista promova uma inflexão em sua fala.
Porém, essa preocupação já foi exposta individualmente a Lula. O único nome do partido que tornou pública a defesa de uma mudança de tom foi o governador da Bahia, Rui Costa. Em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”, ao ser indagado sobre as falas recentes de Lula, Rui afirmou que “temos que pacificar o país”. O senador Jaques Wagner (PT-BA), antecessor de Rui Costa no governo da Bahia, também tem defendido em conversas internas a alteração nos sinais emitidos por Lula.