Fiador destes financiamentos por meio do FGE, o governo brasileiro concedeu descontos irregulares, da ordem de pelo menos R$ 735 milhões no prêmio do seguro pago por países de América Latina, Caribe e África.
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O Brasil fez manobras irregulares para emprestar um montante com desconto para outros países, segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) que integra os autos da Operação Lava Jato e analisou 140 operações de crédito para outros países segurados no FGE (Fundo de Garantia à Exportação).
Estes empréstimos foram realizados via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e bancos privados. O objetivo era que as nações que recebessem a verba contratassem empreiteiras brasileiras. Fiador destes financiamentos por meio do FGE, o governo brasileiro concedeu descontos – irregulares, segundo o TCU– da ordem de pelo menos R$ 735 milhões no prêmio do seguro pago por países de América Latina, Caribe e África.
As práticas consideradas irregulares pelo TCU começaram em 2003, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (de 2003 a 2010), e cessaram em 2015 no governo de sua sucessora, no segundo mandato de Dilma Rousseff (ela governou de 2011 a 2016).
Já em meio à grave crise econômica a Camex (Câmara de Comércio Exterior), conselho interministerial e da sociedade civil responsável por elaborar as políticas de comércio exterior do Brasil, determinou ao Cofig (Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações) que revisasse a política de concessão do seguro para estes financiamentos. O Cofig é o órgão responsável pelas regras do seguro e pela
administração do fundo. Neste ano, o governo federal endureceu ainda mais as exigências para contratação do seguro.
“Era um objetivo do governo aproximar o Brasil dos países africanos e latinoamericanos”, afirma Celso Amorim, que foi ministro das Relações Exteriores de 2003 a 2010. “Não era uma questão ideológica, era política. Avaliamos que o país tinha muito a ganhar aumentando a presença nestes países, dentro da geopolítica mundial. A aproximação econômica, concessão de empréstimos, era só uma das frentes de atuação”, diz Amorim (leia mais abaixo).
O seguro a financiamentos tomados por outros países junto ao Brasil, garantidos pelo FGE, funciona como um seguro de carro: o país interessado deve pagar um valor (o prêmio) referente à cobertura que está contratando. No caso do seguro de um automóvel, o valor assegurado com o pagamento da apólice é o próprio carro. No caso do empréstimo tomado por ente estrangeiro, o seguro oferecido pelo governo brasileiro cobre o valor do empréstimo no caso de ele não ser pago pelo país que pegou o empréstimo.
Ou seja, se o país estrangeiro segurado não pagar sua dívida com o BNDES ou outras instituições financeiras do Brasil, quem paga é o governo brasileiro com recursos do FGE. Foi o que aconteceu com empréstimos concedidos a Moçambique e Venezuela.
No início de maio, a reportagem revelou que a exposição total do fundo que garante estes empréstimos é de R$ 64 bilhões. Em março, a reportagem já havia mostrado que a Venezuela deu um calote de quase R$ 1 bilhão em empréstimos, tomados juntos ao BNDES e ao CreditSuisse, e que o governo
brasileiro assumiria a dívida com recursos do FGE.
Após o calote, a Câmara dos Deputados teve que aprovar de maneira emergencial um manejo de recursos do Orçamento da União para cobrir esse prejuízo e outro referente a um calote de Moçambique (ocorrido no ano passado), com recursos do seguro-desemprego. Depois do calote, o governo federal alterou as regras para a concessão do seguro.