O governo brasileiro autorizou a venda de 20 mil frascos de spray de pimenta para a Venezuela entre os meses de junho e julho de 2024, período que antecipou o pleito presidencial no país vizinho. A venda do produto, que é comumente utilizado por forças policiais em manifestações para controle de multidões, foi registrada como parte de um processo de exportação de material de defesa. A informação foi publicada pela BBC News Brasil e confirmada pela Gazeta do Povo com o Ministério da Defesa, pasta que deu o aval para a negociação.
O processo volta a colocar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma posição contraditória diante sua política externa, já que o material vendido pode ter sido utilizado pelo regime de Nicolás Maduro contra manifestantes da oposição. Em contraposição, cerca de um ano antes, o governo brasileiro negou um pedido da Ucrânia para adquirir veículos blindados Guaranis Ambulância, que seriam utilizadas para resgatar soldados ucranianos feridos na guerra que o país enfrenta contra a Rússia.
Ainda de acordo com a Defesa, a exportação do produto para a ditadura venezuelana foi realizada dentro das normas vigentes. A pasta, contudo, não forneceu informações mais detalhadas sobre as empresas responsáveis pela venda, nem sobre quem, especificamente, comprou os produtos na Venezuela.
De acordo com analistas ouvidos pela reportagem, a falta de transparência sobre o processo deixa margem para especulações sobre o uso do material por Maduro em suas ações repressivas contra os manifestantes.
“Não é de se surpreender que um governo do PT tenha autorizado essa venda, até porque boa parte do partido continua achando que o Maduro não é um ditador, que as eleições foram limpas e que ele ganhou honestamente. Sendo assim, nessa visão, continuaria uma relação normal com o país”, avalia Gunther Rudtiz, professor de Relações Internacionais da ESPM.
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Venda foi feita durante período de tensão na Venezuela
A transação comercial foi realizada em um contexto político delicado na Venezuela. Os meses de junho e julho anteciparam o processo eleitoral de 2024 no país, ocorrido no dia 28 de julho. O pleito que teve o ditador Nicolás Maduro supostamente como “vitorioso”, foi amplamente contestado, gerando protestos intensificados após a reeleição do presidente.
A fraude nas eleições da Venezuela foram comprovadas pelo Centro Carter, respeitada organização criada pelo ex-presidente dos EUA Jimmy Carter. A organização, que chegou a divulgar as atas eleitorais que comprovavam o verdadeiro resultado do pleito, considerou que as eleições na Venezuela “não foram democráticas”.
De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, que é controlado pelo regime chavista, o autocrata teve 51,2% dos votos contra 44% do candidato da oposição Edmundo González Urrutia, apontado por parte da comunidade internacional como o verdadeiro vitorioso do pleito. O resultado contestado deu início à uma crise política em Caracas, com membros da oposição e manifestantes presos e até denúncias de assassinatos.
“Um outro aspecto que também precisa ser analisado é o aspecto moral desta venda. Os protestos da oposição na Venezuela tendem a crescer e a repressão do regime também tende a aumentar. E o uso desse gás de pimenta contra a oposição é quase certo”, pontua Rudtiz.
Ainda nesta semana, uma série de manifestações foram registradas contra o regime de Maduro. As ações ocorreram em represália à cerimônia de posse do ditador, realizada nesta sexta-feira (10). Em meio à onda de protestos, a líder da oposição no país, Maria Corina Machado, chegou a ser presa pelo regime chavista e foi liberada horas depois.