Por Estadão
Há uma mistura de insensatez, cálculo político e diagnóstico errado na ruidosa disputa deflagrada pelo governo do presidente Lula da Silva contra o mercado financeiro, o mundo corporativo e quem mais acredita em compromisso fiscal – essa regra ao mesmo tempo elementar, complexa e imprescindível da economia, cujo descumprimento desmorona mandatos e faz o País pagar caro.
A rinha pública promovida pelo Palácio do Planalto produziu uma considerável destruição de riqueza, deixou feridas a serem cicatrizadas na segunda metade do mandato e despertou um debate intrigante sobre a origem e o efeito da resistência lulopetista. Mas hoje parece evidente: Lula sabe o que está fazendo ao dobrar a aposta contra o que ele e seus sabujos do PT definem como “Faria Lima”, hoje o símbolo de uma suposta conspiração das elites para prejudicar seu governo.
Se Lula o faz é porque acredita que isso lhe renderá dividendos políticos e eleitorais. Afinal, como se sabe, para o pensamento petista há algo muito mais importante do que o equilíbrio macroeconômico: votos. E porque tanto ele quanto o PT nada aprenderam com a história e com seus erros do passado – não só porque o lulopetismo ignora o fato de que é o equilíbrio macroeconômico que dá sustentação a qualquer governo no longo prazo, como também até hoje não compreendeu a origem e as consequências dos equívocos produzidos pela ex-presidente Dilma Rousseff.
O espírito da insensata queda de braço com o “mercado” é fruto de um diagnóstico errado daquela época. Até hoje a militância petista tem a mais plena convicção de que o impeachment de Dilma decorreu de uma ardilosa união das elites econômicas e políticas, da mídia e do Judiciário para frear os alegados avanços sociais promovidos pelos governos do PT. Segundo tal lógica, o erro da então presidente foi promover uma guinada na política econômica entre o primeiro e o segundo mandatos, quando, reeleita após uma campanha polarizada na qual acusou os adversários Aécio Neves e Marina Silva de planejarem um ajuste cruel com os pobres, Dilma escalou Joaquim Levy – um reconhecido fiscalista – para a Fazenda. Na visão do PT, era uma concessão indevida ao mercado, que a fragilizou politicamente diante da base do partido e gerou a ruína econômica.
Trata-se de uma evidente inversão de raciocínio. A guinada de fato foi oficializada, mas o PT trabalhou para implodir os planos do ministro, o ajuste fiscal prometido foi feito pela metade e o resultado tornou-se conhecido: a deterioração fiscal crescente que levou a um profundo desequilíbrio macroeconômico, a perda contínua de apoios de diferentes setores do Congresso e da economia, até culminar no caos e no impeachment de 2016. Dilma deixou o governo com uma crise da qual o Brasil levou anos para se recuperar.
A lição foi insuficiente porque o enredo está se repetindo – não com um forasteiro como Levy, mas com um petista de longa data, Fernando Haddad. A intensa artilharia do partido, com a evidente anuência de Lula, contra o que deveria ser a agenda econômica do governo deixou o ministro praticamente sozinho na Esplanada e na inglória tarefa de convencer investidores de que o governo se preocupa com as contas públicas.
À solidão de Haddad se soma outro problema: na cosmologia do partido e de Lula, ter um inimigo a quem culpar é o elemento preferencial para mobilizar militantes e conquistar votos. Inspirado nessa lógica pedestre, o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), por exemplo, galvanizou esse espírito ao pedir à Polícia Federal (PF) que investigue e puna a “Faria Lima”. No metaverso do PT, caberia à PF abrir inquérito para identificar responsáveis pela prática de crimes contra o mercado de valores mobiliários, sobretudo por meio da manipulação do câmbio.
Eis o delírio petista: as turbulências que afetaram o mercado nas últimas semanas nada têm a ver com a incapacidade do governo de convencer os investidores de que leva a sério a necessidade de um duro ajuste fiscal. Tampouco com a frustração diante das medidas fiscais anunciadas no início de dezembro. Pois petistas só acreditam num plano fiscal: culpar o mercado. Um método que pode até fazer a festa da militância, mas, para a economia, desabona o presente e arruína o futuro.