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Regular as redes é atribuição do Congresso, não do STF

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Foto: reprodução

Por Estadão

Está marcado para hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) o início de um julgamento crucial para os destinos do Estado Democrático de Direito nacional, tanto pelas implicações relacionadas ao seu conteúdo – a regulação das redes sociais – quanto à sua forma – quem tem competência para regular.

O julgamento envolve dois temas de repercussão geral (533 e 987) nos quais se versará sobre a responsabilidade das plataformas digitais. O artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece que a responsabilidade pelos conteúdos é de seu criador e as redes só podem ser responsabilizadas se, após uma decisão judicial, deixarem de tomar as devidas providências. O Marco estabelece duas exceções: infrações a direitos autorais e divulgação de cenas de nudez ou sexo não autorizadas. A Corte versará sobre a constitucionalidade do artigo 19.

A conveniência do Marco Civil para regular o ambiente digital tem sido amplamente debatida. É natural. O Marco foi gestado em 2007 e sancionado em 2014, quando as redes já existiam, mas sua massificação através de smartphones apenas começava. A eventual inconveniência ou insuficiência de uma lei, contudo, não equivale à inconstitucionalidade. Quem decide se as regras para as redes digitais devem ou não ser alteradas é o povo, e quem tem mandato para alterá-las são os seus representantes eleitos.

O legislador foi didático ao justificar a redação do artigo 19 “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”. A primazia da liberdade de expressão está em linha com a Constituição e com a jurisprudência da própria Corte. Isso não significa que essa primazia seja absoluta. As próprias redes podem estabelecer suas regras de uso e remover conteúdos de acordo com elas, desde que o faça com isonomia. De fato, milhões de publicações são removidas todos os dias. Pessoas que se julgam vítimas de crime (como calúnia e difamação) podem recorrer à Justiça, a quem cabe definir, em cada caso, o que é lícito ou ilícito. Não há no artigo 19, portanto, violação da proteção do consumidor ou dos direitos à honra e dignidade da pessoa humana que justifiquem uma declaração de inconstitucionalidade.

Mas a julgar pelas manifestações de alguns ministros, essas regras são insuficientes e seria preciso responsabilizar as plataformas com base em notificações extrajudiciais ou exigir delas o monitoramento ativo das redes. Na prática, isso significaria terceirizar a censura. O resultado seria um efeito inibitório em que as redes, por precaução, removeriam massivamente quaisquer conteúdos minimamente controversos para evitar os riscos de punição. Mas como a decisão sobre o que deve ou não ser censurado é prerrogativa do Estado, as redes ainda seriam passíveis de punição, via recursos judiciais, por censurar conteúdos que não deveriam ser censurados. Uma confusão completa, que minaria a pluralidade e liberdade do ambiente digital.

A preferência por essas regras é um direito dos ministros, enquanto cidadãos. Muitos pensam de modo parecido. O Congresso promoveu vários debates sobre dispositivos como esses no âmbito do chamado PL das “Fake News”, mas sua tramitação parou por falta de consenso.

O histórico do STF justifica o temor de que os ministros buscarão estabelecer regras como essas sob o pretexto de “omissão” do Parlamento. Mas não cabe ao Judiciário definir os tempos do Legislativo, muito menos substituí-lo. O Congresso também se manifesta politicamente por meio de seus adiamentos. Não decidir é já uma decisão, e legítima. Transformar o controle de constitucionalidade num juízo de conveniência política é atropelar a democracia representativa.

A credibilidade do STF está em processo visível de degradação. Há críticas injustas de ativismo judicial instrumentalizadas por oportunistas políticos, mas muitas críticas são justas. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, falou recentemente no papel “civilizador” da Corte. Ela tem agora uma oportunidade de ouro de cumprir essa missão, reafirmando a separação dos Poderes. Basta restringir-se às suas atribuições constitucionais e deixar que o Legislativo cumpra as dele.

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