O Estadão
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve de cancelar a viagem que faria à Europa nesta semana. O tour pegou mal – não pelo destino, mas pelo timing. Ficaria muito difícil convencer algum incauto sobre a urgência com que o governo trata o ajuste fiscal após a Fazenda ter-se limitado a divulgar as cidades por onde o ministro passaria sem informar o que ele faria e com quem se reuniria enquanto o dólar se aproximava da marca de R$ 5,90.
Cancelar essa agenda era uma decisão óbvia para conter a crise, dado que o ministro Haddad é visto como o único capaz de convencer o presidente Lula da Silva sobre a existência de um desequilíbrio fiscal. Ausentar-se do País em uma semana conturbada seria o mesmo que assumir uma derrota.
Desta vez, a comunicação funcionou, e o Ministério da Fazenda divulgou no domingo que Haddad ficaria no País “a pedido do presidente Lula” para se dedicar a “temas domésticos”. Já na segunda-feira, Haddad disse que o pacote deve ser fechado nesta semana. “As coisas estão muito adiantadas do ponto de vista técnico”, afirmou. “Penso que estamos na reta final.”
Tanta assertividade contrasta com a impaciência que o ministro demonstrou há alguns dias ao ser questionado pela imprensa sobre as medidas. Disse não haver nem prazo para divulgá-las nem estimativa de economia a ser alcançada – uma reação, no mínimo, amadora para quem ocupa o cargo há quase dois anos, como se os jornalistas tivessem feito uma pergunta sobre um assunto inédito, e não sobre um plano cujas expectativas haviam sido criadas pela própria equipe econômica em meio ao aumento de incertezas externas e internas.
No exterior, há receio sobre os próximos passos a serem tomados pelo Federal Reserve, o banco central dos EUA – que tem reduzido as taxas de juros em um ritmo bem mais lento do que o imaginado pelos investidores –, e dúvidas sobre o impacto das eleições americanas, o desempenho econômico da China e o acirramento de conflitos internacionais.
No Brasil, expectativas de inflação desancoradas motivaram o Banco Central a iniciar um novo ciclo de aumento dos juros, o dólar chegou a quase R$ 6,00 e os títulos públicos estão pagando taxas próximas de 7%, acima da inflação. Segundo a Fazenda, nas reuniões ministeriais desta semana, “o quadro fiscal do País foi apresentado e compreendido, assim como as propostas em discussão”.
Não é o que parece. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ameaçou pedir demissão se o governo ousasse propor a revisão dos gastos vinculados à sua pasta. Já a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), não vê qualquer problema no descontrole de gastos, mas sim nos juros “estratosféricos” que fazem crescer a dívida pública e na chantagem do mercado que cria expectativas “falsas e irrealizáveis”.
Antes fosse um problema restrito à ala política do governo. Até hoje, a equipe econômica parece não ter compreendido os estragos causados pelas mudanças – menos de um ano após a aprovação do arcabouço pelo Congresso – das metas fiscais de 2025 e de 2026 e menospreza a relevância de perseguir o centro da meta fiscal em vez de seu limite inferior.
Os recordes de arrecadação não têm dado conta das despesas e, a despeito disso, o máximo que se viu foram bloqueios e contingenciamentos aquém da necessidade, além de pentes-finos em benefícios previdenciários e assistenciais. Tentativas de rever políticas ineficientes, como o abono salarial e o seguro-defeso, e de discutir regras mais rígidas para a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) vêm e vão há dez anos.
Até agora, o governo conseguiu postergar soluções definitivas para a questão fiscal apostando na retórica de Haddad, enquanto Lula da Silva oscilou entre a verborragia a favor da gastança, discretos acenos em apoio ao ministro e o silêncio em momentos mais críticos.
O erro foi imaginar que o cenário externo se manteria favorável e permitiria que essa dinâmica entre Lula e Haddad fosse até 2026 sem que o compromisso fiscal tivesse de ser atestado. Se o problema fosse apenas uma viagem internacional fora de hora de Haddad, seria fácil de resolver.