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Crise: Aumento da população de rua triplica com governo Lula

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Foto: reprodução

A cada mês, em média, três vezes mais pessoas no Brasil têm sido registradas como moradoras de rua desde que Lula iniciou seu terceiro mandato como presidente.

Do começo do governo até julho de 2024 – último mês registrado –, o número de famílias vivendo nas ruas no país passou de 194,3 mil para 291,4 mil: 97,1 mil a mais. Os dados são da Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único (Sagicad) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Em março deste ano, com só 15 meses da gestão Lula, o aumento do registro de famílias vivendo nas ruas no Brasil já havia superado o crescimento observado em todo o governo Bolsonaro (2019-2022). De janeiro de 2019 a dezembro de 2022, o total de famílias inscritas no Cadastro Único como “em situação de rua” havia aumentado em 77,5 mil.

No governo Bolsonaro, com a pandemia no meio do caminho, a média mensal de novas famílias nas ruas foi de 1.660. Sob Lula, a média triplicou: estava em 5.264 até julho de 2024.

O maior aumento mensal foi registrado em dezembro de 2023, quando 10 mil novas famílias entraram para a lista de população de rua, seguido por setembro de 2023, com 8,8 mil, e novembro de 2023, com 8,5 mil. Em 2024, o pior mês foi abril, quando 7.356 novas famílias passaram a viver nas ruas.

A Gazeta do Povo adotou o registro das famílias para analisar os dados porque o Sagicad só fornece dados mensais para “famílias em situação de rua”, e não para “pessoas em situação de rua”. Mas, segundo o próprio governo, cerca de 92% das famílias registradas como em situação de rua são classificadas como “unipessoais”, isto é, de uma só pessoa. Somente 8% dos moradores de rua no Brasil estão acompanhados de familiares.

A reportagem questionou duas pastas do governo Lula – o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania – sobre as possíveis causas dos números, mas não obteve resposta.

Para Luiz Ramiro, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), embora ainda não seja possível tirar conclusões definitivas sobre as motivações por trás dos dados recentes, os números deixam ao menos evidente a falácia do discurso de que o petismo é “bom para o social”.

A contradição entre a ênfase maior em programas assistencialistas, típica do PT, e o aumento do número de pessoas nas ruas é, para ele, só aparente. As duas coisas, na verdade, tendem mesmo a crescer juntas.

“Há um impacto moral dessas coisas [da ênfase no assistencialismo]. Isso vicia, de alguma maneira, a população”, afirma. Ele cita como exemplo emblemático disso algumas cidades produtoras de petróleo no Rio de Janeiro, como Macaé, onde o fluxo de royalties resultou em muitos recursos voltados para políticas assistencialistas e pagamento de altos salários no setor público.

“Existem estudos a respeito de como as cidades que receberam muitos royalties do petróleo no Rio de Janeiro se tornaram viciadas, com uma desvalorização da relação de trabalho. Se isso acaba de uma hora para outra, há uma instantânea favelização, porque as pessoas não se prepararam, não houve uma transformação produtiva do lugar, e criou-se uma lassidão moral muito grande”, comenta.

Esse caso, para ele, serve de analogia para explicar como o assistencialismo excessivo pode criar uma dinâmica social nociva que precariza a força de trabalho, criando pessoas com pouca capacidade para se integrar no mercado, especialmente em um país com educação ruim e formação profissional deficiente como o Brasil.

Decisão de Moraes que proibiu a remoção forçada de moradores de rua teve impacto?
O aumento passou a ser especialmente intenso a partir de setembro de 2023, pouco tempo após a decisão de julho de 2023 do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), confirmada pelo plenário, de proibir a remoção compulsória de moradores de rua.

No período de doze meses de agosto de 2023 a julho de 2024, de acordo com a Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único (Sagicad) do Ministério do Desenvolvimento, o número de famílias morando na rua aumentou em 71,9 mil. Trata-se, de longe, do maior aumento da história para este período desde que os números começaram a ser registrados por esse sistema, em 2012.

O aumento entre agosto de 2023 e julho de 2024 foi muito mais alto do que o registrado entre agosto de 2022 e julho de 2023, quando 44,2 mil famílias a mais foram para as ruas.

Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidad Autónoma de Madrid, lembra que quando o Judiciário extrapola suas funções e começa a definir políticas públicas, como fez o STF, cria-se um problema de accountability: diferente de políticos eleitos, que podem ser punidos pela população em futuras eleições se suas medidas forem rejeitadas, juízes não passam pelo crivo das urnas.

“Quando o juiz decide algo desse tipo, quando decide – como praticamente fez o ministro Moraes – que o problema das pessoas em situação de rua deveria acabar, ele gera outros tantos problemas imprevistos. E mais: problemas sobre os quais ele não tem nenhuma responsabilidade, pois não é o vereador, o deputado ou o prefeito. Ninguém vai cobrar dele. E a vida dele não muda se a situação piorar ou melhorar. Quero dizer: ele toma a decisão, mas se a população de rua duplicar em consequência dessa decisão, não podemos deixar de elegê-lo nas próximas eleições”, comenta.

Não há pesquisas sobre a correlação entre a decisão do Supremo e o aumento da população de rua. A hipótese de que possa haver um nexo causal entre esses números e a medida judicial é vista com ceticismo por Marco Natalino, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) consultado pela Gazeta do Povo.

A reportagem também questionou prefeituras de municípios onde houve aumento expressivo do número de famílias vivendo nas ruas, e nenhuma delas disse que a medida judicial foi decisiva para uma alteração nas políticas adotadas.

A Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, esclarece que, mesmo antes da proibição pelo Supremo, “não trabalhava com a remoção [compulsória] da população em situação de rua”. “Independente da decisão do STF, a premissa dos acolhimentos sempre foi por adesão do usuário, de acordo com a Política Nacional de Assistência Social”, afirma.

“As diretrizes reafirmadas pela ADPF 976 vão ao encontro dos princípios já executados pela Prefeitura de Belo Horizonte”, diz a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania da capital mineira.

Em São Paulo, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) também destaca que “não realiza a retirada compulsória de pessoas das ruas e que sempre respeita o livre arbítrio e o poder de decisão de cada indivíduo”.

A decisão de Moraes suspendeu tanto a remoção forçada como a coleta de pertences pessoais dos moradores de rua, além de estabelecer uma série de exigências para os governos estaduais, como o fornecimento de barracas para moradia e de itens de higiene básica à população em situação de rua.

O juiz também determinou que o governo federal deveria apresentar um plano para a implementação de uma política nacional voltada aos moradores de rua – em janeiro deste ano, a Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua (PNTC PopRua) foi aprovada pelo Senado.

A base para a decisão do STF foi a teoria do “estado de coisas inconstitucional”, explicada com detalhes nesta reportagem da Gazeta do Povo.

Pedro Moreira vê nessa decisão um exemplo de como o constitucionalismo brasileiro está fundado em “uma cultura quimérica de efetivação de direitos fundamentais”. “O mundo real não é o mundo da Constituição. Temos problemas sérios na educação, na saúde, na segurança e em tantas outras áreas. A questão é: essas coisas não vão melhorar a golpes de sentença”, diz.

“Há inúmeros estudos no direito comparado mostrando que a crença na efetivação de direitos sociais pelo Poder Judiciário é uma crença ingênua. O Judiciário se politiza, mas a questão não se resolve. Porque ela depende de orçamento, política pública bem formulada, cultura política e social, entre tantas outras coisas. Nenhum desses elementos costuma ser bem conduzido quando levado ao Judiciário”, complementa. (Gazeta do Povo)

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