Após cinco anos em queda, o número de servidores civis do governo federal voltou a crescer após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O contingente, que era de 565 mil servidores ao fim do governo de Jair Bolsonaro (PL), em dezembro de 2022, passou a 572 mil um ano depois e agora chegou a 573 mil, segundo dados de agosto do Painel Estatístico de Pessoal da União.
A alta é discreta, e houve meses em que o número total até baixou um pouco, devido a aposentadorias. A tendência é de que o quadro de pessoal aumente conforme o Executivo for incorporando funcionários aprovados em concursos já realizados e outros que estão por vir.
Como nas gestões anteriores, Lula segue a receita de expandir o funcionalismo, com base na ideia de um Estado forte e centralizador.
É caminho oposto ao adotado na gestão de Jair Bolsonaro (PL), quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, conduziu uma estratégia de redução de gastos de pessoal que batizou de “reforma administrativa silenciosa”. Ela envolveu o congelamento de salários, em parte por força da legislação de combate à pandemia de Covid-19; a não reposição de servidores aposentados; e a digitalização de serviços do governo federal.
A redução no quadro de pessoal havia começado ainda no governo de Michel Temer (MDB), que entre 2017 e 2018 reduziu o contingente em pouco mais de 3,5 mil pessoas. Quando Bolsonaro assumiu, em janeiro de 2019, o Executivo federal contava com pouco menos de 631 mil servidores civis. Até o fim de seu mandato, esse número diminuiu em quase 66 mil, uma queda de aproximadamente 10%.
Nas gestões petistas de 2003 a 2016, o quadro havia aumentado em 28%, passando de 493 mil para 632 mil servidores. Ou seja, em 13 anos foram preenchidas quase 140 mil vagas.
O aumento no número de servidores públicos implica aumento das despesas do governo, o que tem acontecido desde o início do terceiro mandato de Lula. E a tendência é que os gastos cresçam ainda mais, com contratações, reajustes salariais, planos de progressão de carreira e acesso a benefícios.
Lucas Constantino, diretor da GCB Capital, afirma que a dinâmica fiscal segue muito desafiadora ao governo. “Mesmo com o forte nível de arrecadação federal observado recentemente, as contas públicas e a dívida brasileira continuam se deteriorando, o que tem ampliado a desconfiança do mercado quanto ao quadro fiscal. Então, logo de imediato o governo precisaria lidar com o impacto desses aumentos das despesas primárias sobre o déficit fiscal, que já se encontra em estado crítico”, afirmou.
Segundo o informativo da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Congresso Nacional de setembro deste ano, a previsão de gastos com pessoal aprovada no Orçamento federal reprogramado de 2024 é de R$ 373,8 bilhões. O valor representa uma alta de R$ 10,1 bilhões em relação a 2023.
Para o próximo ano, o Orçamento enviado pelo governo ao Congresso prevê R$ 49,5 bilhões adicionais em gastos com servidores, para um total de R$ 413,2 bilhões, o que corresponde a um aumento de 10,5% em relação ao montante deste ano.
O acréscimo no valor destinado aos gastos com pessoal tem duas justificativas: a criação de novas vagas, com a realização de concursos públicos neste ano e no próximo, e reajustes salariais que têm sido negociados com cada categoria. Até o momento, 45 delas já entraram em acordo com o governo federal.
Parte do aumento de gastos era tida como inevitável do ponto de vista político, já que a maioria das categorias estavam com salários defasados desde 2019. Naquele ano, foi aplicada a última parcela de um reajuste que havia sido negociado ainda durante o governo de Dilma Rousseff (PT).
Nos sete primeiros meses do ano, o governo acumulou déficit primário de quase R$ 78 bilhões. A receita cresceu 9% em termos reais, pouco mais que a despesa (8%), o que não foi suficiente para tirar as contas do vermelho.
O governo estima que vai fechar o ano com um saldo negativo de aproximadamente R$ 28 bilhões, no limite inferior da meta fiscal – que é de déficit zero, mas com tolerância de até 0,25% do PIB.
Nessa conta não entram gastos com as enchentes no Rio Grande no Sul nem com o combate a queimadas. Mas eles vão afetar a dívida pública, que cresce em ritmo acelerado desde o início do governo. Ela já chegou a 78,5% do PIB, com alta de quase 7 pontos porcentuais desde janeiro de 2023.
Constantino ressalta que os gastos obrigatórios do governo representam mais de 90% do orçamento, com a maior parte destinada ao pagamento de benefícios da Previdência e salários. “Ou seja, qualquer aumento de despesas obrigatórias significa menos espaço para investimentos em áreas importantes como a saúde, educação e infraestrutura”, diz o gestor.
“Sem um ajuste fiscal estrutural e robusto, há um risco relevante de que o crescimento dessas despesas transforme as contas públicas em um problema ainda mais insustentável, com gastos e ajustes crescentes e recorrentes”, acrescenta.
Ele defende que o caminho para o equilíbrio das contas públicas envolve reformas estruturais, cortes de gastos e reavaliação de investimentos e programas do governo.
“Reforma silenciosa” de Guedes baixou despesa ao menor nível da série histórica
A “reforma silenciosa” levada a cabo pelo ministro Paulo Guedes teve impacto relevante sobre as contas do governo. Entre o início e o fim do mandato de Bolsonaro, o gasto da União com pessoal e encargos baixou do equivalente a 4,3% do PIB para 3,4% do PIB, o menor nível da série histórica do Tesouro, iniciada em 2017. A queda foi interrompida em 2023, quando o índice se manteve em 3,4% do PIB.
Em razão da pandemia de Covid-19 e do aumento de repasses federais para estados e municípios, os reajustes para os funcionários públicos em 2020 e 2021 foram suspensos pela Lei Complementar 173/2020.
Paulo Guedes chegou a afirmar que “o congelamento de salários nos deu mais do que qualquer reforma administrativa daria”. À época, foram projetados R$ 43 bilhões em economia.
A legislação proíbe a demissão de servidores, a não ser em casos muito específicos, como decisão judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar. Uma redução no quadro de pessoal ocorre, portanto, pela não substituição de funcionários que se aposentam ou morrem.
Assim, a forma encontrada por Guedes para restringir o aumento das despesas com os funcionários públicos foi justamente conter reajustes e, gradativamente, optar pela não reposição dos quadros.
Mesmo assim, diante do descontentamento dos servidores, em 2022 Bolsonaro chegou a anunciar em mais de uma ocasião que daria um aumento de 1% para todos. Depois, chegou a falar em reajuste de 5%. No entanto, nenhum reajuste foi aplicado.