Os Correios firmaram um contrato de confissão de dívida em que se comprometem a transferir R$ 7,6 bilhões ao Postalis, fundo de pensão de seus funcionários, para cobrir metade do rombo do plano de aposentadoria que parou de aceitar novos participantes em 2008. Pela legislação, a conta deve ser dividida igualmente entre a empresa patrocinadora e os participantes. Ou seja, metade do valor total do déficit, de R$ 15 bilhões, será pago por funcionários, aposentados e pensionistas da estatal.
Segundo o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no qual o documento se baseou, os investimentos realizados entre 2011 e 2016, durante o governo de Dilma Rousseff, resultaram em um prejuízo de R$ 4,7 bilhões. Corrigido pela inflação e pela meta atuarial da entidade, o valor corresponde a R$ 9,1 bilhões, o equivalente a 60% do rombo. O restante se refere a déficits ocorridos em outros períodos desde a fundação do Postalis, em 1981.
Por meio de sua assessoria, os Correios disseram que a operação foi realizada “em atendimento às normas do setor e após um rigoroso processo de aprovações junto aos órgãos competentes”. Informaram ainda que se basearam em estudo técnico segundo o qual o plano de benefício definido (PBD) contava com recursos disponíveis para honrar seus compromissos somente até agosto de 2025.
Agora, a empresa, que registrou déficit de R$ 800 milhões no primeiro trimestre e de quase R$ 600 milhões no ano passado, tem desembolsado R$ 33 milhões por mês, desde fevereiro, para socorrer o fundo de pensão. Já os participantes, além de perder parte dos benefícios, como o pecúlio por morte, sofreram descontos de 23%, no caso de aposentados e trabalhadores da ativa, e de 37%, no caso de pensionistas.
Ao Estadão a atual gestão dos Correios disse que “vem trabalhando para reduzir o déficit que foi causado, em grande parte, pelo governo anterior, por conta de decisões ruins tomadas no processo de privatização da estatal” (em referência à gestão Bolsonaro, que tentou desestatizar a empresa), enterrado pelo governo Lula 3. Os Correios afirmaram ainda que o resultado de 2023 foi melhor em relação ao último ano do governo de Jair Bolsonaro, quando a companhia teve prejuízo de R$ 738 milhões.
Na gestão de Dilma, o plano que viria a ser equacionado pelo atual governo teve resultado negativo de 7%, enquanto a meta atuarial previa ganhos de 118%. Ao fim de 2012, o déficit acumulado desse plano era de R$ 985 milhões e, dois anos depois, havia saltado para R$ 5,6 bilhões. Parte dos investimentos que geraram esse prejuízo foi investigada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso e pela Operação Greenfield, braço da Lava Jato que se debruçou sobre fraudes nos fundos de pensão.
O acordo para o equacionamento do rombo foi firmado em fevereiro de 2020, ainda sob Jair Bolsonaro, mas estava na gaveta devido ao grande número de processos judiciais em que o Postalis tenta recuperar parte dos valores perdidos.
O atual presidente dos Correios, Fabiano da Silva Santos, selou o acordo antes do fim de imbróglios judiciais. Ele é ex-advogado do Postalis e de Antônio Carlos Conquista, presidente do fundo durante o governo da petista, mas nos governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022) foi destituído das ações em que atuava.
Por meio da assessoria dos Correios, ele negou conflito de interesses ao ter decidido pelo pagamento do rombo como presidente da empresa, porque já estava afastado de todas as causas quando assinou o contrato e não faz mais parte do escritório de advocacia em que trabalhava quando participou dos processos.
O acordo teve aval da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), vinculada ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. O acordo teve aval da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), vinculada ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Procurado pelo Estadão, o órgão informou que autorizou o equacionamento de déficit do plano.
Ressaltou, no entanto, que “o contrato contém uma cláusula de revisão anual automática do saldo devedor que permite que o contrato seja revisto anualmente pelas partes (Correios e Postalis) em função das perdas e ganhos apresentados pelo plano e apuradas nas demonstrações atuariais ao término de cada exercício social”.
Títulos da Venezuela e do Lehman Brothers
Parte do prejuízo foi causada por alocações de capital associadas a interesses políticos e envolveu fraude e má gestão. Uma delas foi a adesão do Postalis como cotista único ao fundo Brasil Sovereign II, administrado pelo banco americano BNY Mellon, que vendeu títulos da dívida pública do Brasil e comprou os da Venezuela e da Argentina, cujos governos eram alinhados ao PT à época. O BNY Mellon foi procurado e o Estadão aguarda manifestação.
Em alguns casos, a corretora Latam Investments LLC – que ficava na Flórida, mas não opera mais – simulou compra e venda de títulos para inflar artificialmente o valor dos títulos e gerar o pagamento de taxas de corretagem indevidas. Uma investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aberta após recebimento de informações do órgão regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos, a Financial Industry Regulatory Authority (FINRA), revelou que mais de 70% dos valores desviados envolveram empresas ligadas a pessoas com cargos de direção ou gerência no Postalis.
Segundo a CVM, um dos fundos de que o Postalis era cotista, o Atlântica Real Sovereign, comprou em 2008 um título do banco americano de investimentos Lehman Brothers por US$ 11,2 milhões, enquanto o valor pago pela Latam Investments pelo mesmo título foi de US$ 7,1 milhões. O banco decretou falência em 2008 — marco que desencadeou uma crise financeira global.