Excessivo segundo padrões globais, passivo do Estado eleva juros e é por eles elevado; cortar gastos interrompe processo
Editorial Folha de São Paulo
Dados recém-divulgados pelo Banco Central mostram que a dívida pública segue em escalada alarmante, embora não surpreendente, neste terceiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em apenas um ano e meio, até junho de 2024, o endividamento de União, estados e municípios saltou de 71,7% para o equivalente a 77,8% do Produto Interno Bruto. A alta, de mais de 6% do PIB, corresponde ao gasto de quatro anos com o programa Bolsa Família.
Além de crescer em ritmo acelerado, a cifra é muito elevada para padrões domésticos e globais. É a maior deste século, excluído o período anômalo da pandemia; entre os principais países emergentes, há poucos paralelos.
Pelos critérios do Fundo Monetário Internacional (FMI), que permitem cotejos internacionais, a dívida do Estado brasileiro chega a 88,7%, um patamar excessivo para economias de renda média, sem moeda forte e maior dificuldade de acesso ao crédito.
Em comparação, México (55,6%), Rússia (20,8%), Turquia (30,9%) e Indonésia (39,3%) apresentam números muito menores, bem como os vizinhos Chile (40,5%), Colômbia (54,4%) e Uruguai (61,9%).
Pelas estimativas do FMI para 2024, apenas a vizinha Argentina (86,2%), a Índia (82,5%) e a China (88,6%), entre os parceiros emergentes do Brasil no G20, têm números parecidos.
A diferença, entretanto, é que nas duas primeiras a tendência esperada é de queda, enquanto na peculiar ditadura chinesa a trajetória de alta não impede de imediato um crescimento econômico vigoroso.
Já aqui se preveem avanço contínuo da dívida e expansão medíocre do PIB pelos próximos anos. Pelas projeções oficiais, que não podem ser acusadas de pessimistas, haverá alta do endividamento até 2027; as projeções do FMI, que vão até 2029, não mostram redução.
Trata-se da consequência óbvia da política de elevação contínua de gastos levada a cabo pela administração petista, que tende a subestimar os riscos de tal estratégia.
No partido se alimenta a crença de que a despesa estatal é capaz de impulsionar a atividade produtiva e o consumo das famílias a ponto de compensar seus custos.
A consequência é um ciclo vicioso: quanto maiores os gastos e a dívida do governo deficitário, mais altos são os juros cobrados pelo mercado credor; quanto mais altos os juros, mais a dívida sobe e menos a economia cresce.
Lula apenas ensaiou um reconhecimento dessa dinâmica ao instituir uma regra fiscal para o reequilíbrio gradual do Orçamento. No entanto o compromisso com as metas tem se mostrado frouxo, dada a recusa obstinada em conter despesas insustentáveis. A conta virá.