Por Geraldo Eugênio* / Jornal do Sertão
Estamos acostumados a nos deslumbrar com nosso litoral. Da Bahia ao Maranhão há um cordão de praias paradisíacas, onde o mar em um momento é azul turquesa, mediterrâneo, egeu, piscina, verde musgo e tantas outras tonalidades descritas de forma poética por poetas como Djavan em sua bela melodia. Saindo das águas dá-se de cara com as dunas, as falésias, os coqueirais, os mangues e os resorts, com seus restaurantes, bares e parques aquáticos. Ascendendo a uma escala superior, depara-se com a culinária nordestina e suas delícias, variando da moqueca baiana, do sururu alagoano, à lagosta, ao sirigado, ao caranguejo da costa piauiense, entrelaçando-se ao cheiro do azeite de dendê, ao leite de coco e a multitude de condimentos frescos ou secos. Não se esquecendo de uma citação especial ao uso do coentro e do cominho.
Ainda não tão conhecida e divulgada, ao adentrar-se ao oeste, o turista dá de cara com a civilização da carne, seja na forma de bife, charque, chambaril, costela, mocotó, rabada e por aí se vai. Na porção mais próxima ao litoral a carne de rês é quem domina, já nos sertões, destacam-se as criações: a cabra e a ovelha. Entrepostos como Cachoeirinha e Sanharó são paradas obrigatórias para quem anda pelo interior.
Ao se aproximar do Sertão profundo dos estados da Paraíba, Pernambuco e do Ceará, um prato tão apreciado na mata e agreste muda de sabor de modo drástico. O munguzá doce dá a vez ao salgado, com milho, um pouco de feijão e todo tipo de carne que o momento e o local oferecem. À primeira vista é algo estranho, mas a partir da segunda vez se torna uma pedida corriqueira. Uma delícia.
Incursionando-se pelo mundo dos lácteos, o carro chefe da pecuária nordestina é o queijo de coalho com seu sabor próprio, textura, formato, cura que depende de cada bacia leiteira. Recentemente um amigo trouxe coalhada prensada e queijo do município de Varjota, no Ceará. Tanto a aparência quanto o sabor estavam impecáveis. Uma prova de que produtos de qualidade estão sendo produzidos em centenas de municípios, vários deles dos quais pouco se ouvir falar até o momento.
Parece difícil eleger temas de interesse
O contraste do que se discute é que na maioria dos municípios as expressões artísticas e culturais não recebem o apoio necessário e a vida dos sertanejos se torna um deserto cultural invadido por músicas que de tão estranhas chego a considerar como alienígenas. Não se sabe de onde veio ou para onde vai, havendo a certeza de que no rastro nada restará. O mesmo que se diga da literatura e da poesia, salvo manifestações regionais típicas como é o caso do repente no Sertão do Pajeú, em Pernambuco e no Sertão de Monteiro, na Paraíba.
São poucas as cidades que cultivam a música, popular ou erudita e o apoio às expressões locais ficam restritas ao carnaval e aos festejos juninos, mesmo assim, dependendo da região ou do humor de seus dirigentes.
Ainda restam centenas de praças e uma dúzia de coretos que poderiam ser palco de festivais, concursos musicais e poéticos, de moda, de artesanato e que são cenários em fogo morto, como diria José Lins do Rego. Onde a criatividade foi enterrada e de onde se brota atividades ilegais e o tráfico que assola e corrói a todos.
O Cariri cearense e suas atrações
Barbalha é um encanto. Uma cidade que conta com uma população de 63 mil habitantes mas com índices invejáveis em termos de IDH, educação, e infraestrutura urbana. No último sábado à noite passamos um pouco de tempo na praça principal do centro histórico. Rodeada de bares, lanchonetes e estabelecimentos comerciais. Um local bem iluminado com bancos confortáveis e dezenas de mesas dos bares ao redor. Durante um bom tempo esperava ansioso pelo trabalho meticuloso de um jovem artista afinando a caixa de som e seu violão e seu companheiro tratando de dar os acordes finais à bateria. Depois de uma longa espera, a banda inicia um show com um repertório que deixaria qualquer amante da boa música popular em estado de alegria permanente. Coisa de idoso mas como é bom ouvir Belchior, Zé Ramalho, Fagner, Zizi Possi, o mesmo Djavan ao qual me referi antes e outros artistas que fazem a elite da música brasileira. Não lembro o nome completo desse artista, acho que é tem Teles no sobrenome. Primeiro quero pedir-lhe desculpas por não haver registrado o nome da banda e dos artistas e segundo parabenizá-lo e aos patrocinadores, possivelmente a prefeitura de Barbalha e os comerciantes locais.
O interessante é que em Serra Talhada, durante anos, a praça conhecida como Concha foi palco permanente deste tipo de manifestação. Ambiente em que consagrou expressões artísticas como Assisão, Lila e Rui Grude. Há espaço para se aproveitar este ambiente de forma mais efetiva, dando oportunidade a centenas de jovens músicos, cantores, compositores que vivem no anonimato ao nosso lado.
Juazeiro do Norte, com sua mítica em volta de Padre Cícero é o local de romaria de todos os nordestinos. Chego a considerar que não há alguém que tenha algum relacionamento com a fé cristã e católica, em particular, que não sinta um desejo de visitar o Horto. Cumpri com minha obrigação após longos e belos anos de vida. Não sei se não serei tentado a retornar todos os anos. De uma coisa é certa, terei que obrigatoriamente voltar para uma visita ao Crato, e, assim, subir novamente ao Horto.
De Princesa Isabel a São José do Belmonte
Voltando o radar aos Sertão do Pajeú, gostaria de insistir na valorização do circuito histórico, artístico, geográfico que representa os municípios de Princesa Isabel, na Paraíba, Triunfo, Santa Cruz da Baixa Verde, Serra Talhada e São José do Belmonte, em Pernambuco. Há uma clara sensação de tempo perdido, histórias de coronelismo, cangaço, sacrifícios humanos, boa literatura, casarios, restos de estações ferroviárias, igrejas imponentes, barragens, açudes, escolas tradicionais e novas universidades. O cardápio encontra-se pronto para um trabalho cooperativo entre essas comunidades. Sozinhas avançaram muito pouco mas juntas poderão tornar o Pajeú uma opção atrativa para o turista que visita o litoral. Em algum momento alguém há que se considerar um projeto desta dimensão como prioridade regional. Que se valorize o que se tem de bom e belo. Em alguns momentos há a sensação de que o sertanejo vive de costas para o que é seu. Mas as oportunidades estão ao alcance das mãos e os jovens profissionais estão ávidos em busca de opções. Este continuará sendo um permanente desafio e o turismo poderá resolver parte desta demanda.
*Professor Titular da UFRPE-UAST