Um projeto-piloto aprovado pelo governo Bolsonaro e que levou internet, capacitação de professores e computadores a 177 escolas do país foi escolhido como um dos campeões de um prêmio internacional ligado à ONU (Organização das Nações Unidas). O prêmio WSIS 2024 (Cúpula Mundial pela Sociedade da Informação, na tradução do inglês) é organizado pela União Internacional de Telecomunicações com participação de outras agências da ONU.
A iniciativa foi, contudo, desmontada pelo governo Lula (PT), no segundo semestre de 2023, e substituída por um modelo fragmentado, sem garantia de que os equipamentos e a conexão chegarão simultaneamente às escolas. A nova diretriz é focar no custeio da conexão para um maior número de escolas, deixando de bancar computadores e treinamento de professores –o que ficará a cargo dos municípios, estados e Distrito Federal. Como a nova proposta vai custear a internet por dois anos, há o risco de os equipamentos não serem comprados a tempo.
Levar ou melhorar a internet em escolas públicas é uma das prioridades de Lula até 2026, quando termina seu terceiro mandato. Para isso, o governo criou a Enec (Estratégia Nacional de Escolas Conectadas) no ano passado.
Coordenador da Enec, o MEC (Ministério da Educação) afirmou que o programa articula “diversas iniciativas e atores” para universalizar uma internet de qualidade nas escolas. Na avaliação da pasta, a estratégia, da forma como foi montada, “valoriza o papel” de estados e municípios “na co-construção e no planejamento da política de atendimento às escolas sob sua responsabilidade”.
O ministério listou três fontes de recursos para o custeio dos computadores por governos e prefeituras, além de afirmar que implementa ações de apoio para secretarias de Educação nas três frentes: conectividade, aquisição de dispositivos e formação de professores (leia mais abaixo).
Governo Lula muda rota de projeto educacional
Bancado com recursos privados do leilão do 5G, o projeto-piloto Aprender Conectado custou R$ 32 milhões.
O edital do 5G estabeleceu compromissos para as empresas vencedoras do leilão, entre eles, aportar R$ 3,1 bilhões para levar “plena conectividade” a escolas públicas (o valor envolve os custos do projeto-piloto e dos demais projetos a serem implementados). Para isso, foram criados dois comitês:
O Gape (Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas), formado por representantes da Anatel, das operadoras e dos ministérios da Educação e das Comunicações.
A Eace (Entidade Administradora da Conectividade de Escolas), órgão autônomo e não-governamental, que executa as obras e os serviços autorizados pelo Gape.
O projeto-piloto foi aprovado em julho de 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), e concluído em agosto de 2023 na gestão petista.
Após a conclusão da iniciativa, integrantes dos ministérios da Casa Civil, Educação e das Comunicações informaram a representantes do Gape e da Eace que o governo Lula teria outro rumo para os bilhões do 5G.
Naquele momento, o projeto-piloto havia contemplado professores e 30,7 mil alunos em dez municípios das cinco regiões brasileiras. Essas escolas terão garantidas a internet e a manutenção dos equipamentos durante três anos.
À época, a projeção do Gape era replicar o projeto-piloto para outras 10 mil escolas sem internet, sobretudo no Norte e Nordeste.
Com a mudança de rota, a gestão petista projetou ampliar o número de escolas atendidas para 40 mil em todo o país por um período de dois anos, segundo representantes dos ministérios estimaram em reunião em agosto.
Dessa forma, o dinheiro do 5G deixaria de bancar computadores e treinamento de professores, e o foco passaria a ser o custeio da conexão e o aumento de unidades de ensino atendidas.
Na ocasião, o governo estimou que seriam necessários R$ 5 bilhões para a compra de computadores. Os equipamentos poderiam ser adquiridos por estados e municípios por meio de licitação do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), segundo afirmaram na ocasião os representantes da gestão petista.
Em setembro, menos de um mês após a reunião, Lula assinou o decreto que criou a Enec, com valor estimado em R$ 8,8 bilhões. Sem recursos orçamentários próprios para implementar a Enec por inteiro, o governo reuniu diferentes fontes de verba. Uma delas foi se apropriar dos R$ 3,1 bilhões do 5G.
No ano passado, Lula disse que estava “jogando muitas fichas” no projeto de escolas conectadas. O presidente avaliou que, após o lançamento da Enec, “a gente pode afirmar ao povo brasileiro que, a partir de 2026, a gente vai ter um outro país”.
“A gente vai ter um país mais bem informado, mais conectado, as pessoas recebendo conteúdo de mais quantidade, mais qualidade”, afirmou Lula.
O Censo Escolar de 2023 apontou que 54,3 mil escolas estaduais e municipais (ou 8 milhões de alunos) não têm computadores ou tablets. Desse total, 55% das unidades de ensino ficam em zona rural.
Apadrinhados por ministros viajam à Suíça para receber prêmio
Foram escolhidos inicialmente 72 “campeões” em 18 categorias em áreas de promoção de tecnologia e desenvolvimento sustentável. Entre eles, estava o projeto-piloto brasileiro. Em Genebra, a premiação selecionou um vencedor em cada uma das categorias. O trabalho da Tanzânia ficou em primeiro lugar, à frente da iniciativa brasileira.
Dois indicados dos ministros das Comunicações e da Secretaria de Relações Institucionais, da gestão petista, e uma delegação da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) participaram da premiação na Suíça, no fim de maio. A viagem foi custeada pela Anatel e pela Eace.
Na Europa, o presidente da Eace, Flávio Ferreira dos Santos, afirmou que o prêmio é o “reconhecimento de um trabalho bem feito”. “Nosso projeto Aprender Conectado foi escolhido dentre os cinco projetos mais importantes do mundo para a inclusão digital de escolas públicas que necessitam desse apoio”, afirmou Santos, em vídeo nas redes sociais.
“Estou muito feliz. Queria dividir isso com todos os brasileiros e brasileiras e dedicar esse prêmio a todos os estudantes do ensino básico do Brasil”, afirmou Vicente Aquino, presidente do Gape e conselheiro da Anatel, em outro vídeo.
Flávio dos Santos viajou acompanhado do diretor de Relações Institucionais e Comunicação da Eace, Jhon Ribeiro. Os dois são apadrinhados pelos ministros Juscelino Filho (União Brasil), das Comunicações, e Alexandre Padilha (PT), de Relações Institucionais, respectivamente.
Santos e Ribeiro não atuaram no projeto-piloto, tendo assumido os cargos na Eace em janeiro. A entidade se tornou foco de influência da classe política e teve a presidência trocada três vezes em pouco mais de dois anos.
O que diz o MEC
O UOL perguntou ao Ministério da Educação se a estratégia assegura que as escolas terão conectividade e equipamentos ao mesmo tempo. A pasta não respondeu se há garantia de que isso ocorrerá.