O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), criticou o governo Lula (PT) e anunciou que o Parlamento vai recorrer da decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Cristiano Zanin que suspendeu trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha de empresas e prefeituras.
Pacheco chamou a ação da AGU (Advocacia-Geral da União) —que representa a União— de “catastrófica”, disse que o Congresso foi surpreendido com a decisão do governo federal de acionar o Judiciário e que o erro foi não só técnico, mas também político.
“[O assunto] surpreendeu a todos, especialmente pelo momento que nós estamos vivendo de discussão e busca por alinhamento entre o governo federal e o Congresso Nacional”, disse Pacheco após se reunir com consultores do Senado.
O presidente do Senado elencou medidas do Ministério da Fazenda aprovadas pelo Congresso que deram fôlego às contas públicas e disse que o governo agiu como se o problema do Brasil fosse provocado pelos municípios e pelos 17 setores da economia beneficiados.
“O que gerou perplexidade e muita insatisfação ao Congresso Nacional foi o comportamento do governo federal. Por que precipitar uma ação dessa natureza, que acaba fomentando o fenômeno que nós queremos evitar no Brasil, que é a judicialização política, quando nós estamos discutindo justamente nessa semana adiamento de sessão do Congresso Nacional […]?”
Apesar das duras críticas ao governo federal, o senador poupou o Supremo e fez questão de dizer que “a indignação é com o governo e não com o Judiciário”. Pacheco declarou ainda que “qualquer decisão será respeitada”, “evidentemente”.
“Decisões judiciais, não nos cabe fazer qualquer tipo de ataque. Por mais que a gente discorde, a gente respeita. É muito importante que a gente retome a lógica de respeito a decisões judiciais no Brasil. O que nos surpreendeu foi a decisão do governo federal.”
Após a declaração, o ministro da AGU, Jorge Messias, afirmou em nota que tem “profundo respeito” por Pacheco, que o ministério apresentou argumentos técnicos jurídicos na ação e que é importante o “diálogo institucional”.
“Do ponto de vista da atuação institucional da AGU, faz-se necessário pontuar que apresentamos argumentos técnicos jurídicos pela inconstitucionalidade da chamada legislação que prorrogou e/ou criou desoneração para 17 setores e para os cerca de 5 mil municípios”, disse Messias.
“A atuação da AGU, portanto, em assistência ao Presidente da República, sempre se pautará pelo mais elevado respeito institucional aos Poderes da República e seguirá no bom rumo da construção da harmonia entre os Poderes”, afirmou o ministro na nota.
O principal argumento do relator da matéria no STF é o de que a desoneração foi aprovada pelo Congresso “sem a adequada demonstração do impacto financeiro”. O governo diz que há violação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e da Constituição.
Do ponto de vista técnico, Pacheco afirmou que o Congresso vai demonstrar ao Supremo que houve a estimativa orçamentária e financeira exigida por lei. O senador ainda sugeriu um estudo para analisar o impacto da desoneração no pagamento da contribuição por parte das prefeituras.
“Esse requisito invocado pela AGU como descumprido para justificar o acolhimento da ADI [ação direta de inconstitucionalidade] não procede. Isso está materializado no processo legislativo e nas demonstrações que nós faremos ao Supremo Tribunal Federal.”
A desoneração da folha foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes. A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.
A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.
A prorrogação do benefício até o fim de 2027 foi aprovada pelo Congresso no ano passado e o benefício foi estendido às prefeituras, mas o texto foi integralmente vetado por Lula. Em dezembro, o Legislativo decidiu derrubar o veto.
SETORES FALAM EM ‘RETROCESSO’ E AUMENTO DO DESEMPREGO
As entidades afetadas pela medida reagiram com reprovação. De acordo com a Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), restabelecer a tributação exclusivamente sobre a mão de obra implicará na queda da competitividade e na redução de postos de trabalho.
“A construção trabalha com ciclos de produção e planejamento de longo prazo. É danoso para o setor que uma obra seja iniciada considerando uma forma de contribuição e que, no meio do processo, [a empresa] precise considerar um novo formato”, diz Renato Correia, presidente da entidade.
O presidente executivo da Abicalçados (Associação Brasileira da Indústria de Calçados), Haroldo Ferreira, classifica a medida como um “retrocesso”.
“É um balde de água fria para o setor calçadista, que recentemente reportou a criação de mais de 5 mil empregos no primeiro bimestre do ano, no que parecia ser o início de uma recuperação lenta e importante depois de um ano de 2023 de dificuldades.”
Um estudo divulgado pela entidade estima um impacto de redução da produção acima de 20% (o equivalente a 150 milhões de pares), e a demissão de aproximadamente 30 mil trabalhadores após dois anos de reoneração da folha.
“Ao judicializar a questão, o Executivo cria um cenário de total imprevisibilidade, que gera incertezas, abala a confiança dos setores produtivos e conspira contra a manutenção e criação de empregos”, avalia a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção).
Para os representantes do setor têxtil, a insegurança jurídica tem corroído a competitividade e agravado os custos das empresas que operam no Brasil.
Segundo a Fetpesp (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo), a decisão, “claramente contrária à preservação dos empregos no país”, vai ter um impacto negativo nas empresas de transporte que ainda sofrem com os efeitos da pandemia.
“Além disso, aumentará o custo das tarifas de ônibus, sobrecarregando a população que depende desse meio de transporte.”
“Caso a medida seja derrubada, os impactos socioeconômicos serão graves, pois a imprevisibilidade referente à contribuição previdenciária patronal, agravando os ônus trabalhistas, causará imenso prejuízo às empresas”, diz nota da Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).
Segundo a entidade, as empresas já fizeram investimentos e admitiram trabalhadores a partir de cálculos que consideravam a manutenção da desoneração.