Por J.R. Guzzo / Estadão
O ministro Antônio Dias Toffoli é um dos diversos prodígios que o STF tem criado nesses últimos anos – uma espécie de corpo extraterrestre que se move no universo jurídico do Brasil e dá uma colaboração fundamental para a usina de patologias operada hoje pelo nosso maior tribunal de justiça. Está alcançando agora nível internacional. Ele tinha mesmo, um dia, de chamar a atenção do mundo, levando-se em conta quem é e aquilo que fez. Toffoli é possivelmente o único magistrado de suprema corte, em todo o planeta, que foi reprovado duas vezes seguidas no concurso para juiz de direito.
Foi advogado de um partido político, o PT, e nomeado para o cargo pelo líder máximo deste mesmo partido. O mundo civilizado fica sem entender nada, também, quando recebe a informação de que a mulher do próprio ministro é advogada em causas julgadas por ele. “Pode isso, no Brasil?”, perguntam os juristas dos países de bem, de boca aberta. O pior é que pode, sim: o STF aprovou uma permissão oficial para se possibilitar justamente isso.
Mais do que tudo, neste momento, Toffoli tornou-se internacionalmente suspeito de proteger corruptores e facilitar esquemas de corrupção. Todo mundo sabe das histórias aqui. O ministro, num surto de hiperatividade inédito, anulou as provas materiais de corrupção contra a Odebrecht – incluindo confissões por escrito e devolução ao Erário de dinheiro roubado. Em seguida, decidiu que a J&F não precisa pagar a multa de R$ 10 bilhões que aceitou num acordo com o Ministério Público, para que seus diretores não fossem presos. Acaba de perdoar a mesma Odebrecht, agora, de uma dívida também assumida em acordo de leniência – R$ 3,8 bilhões, nesse caso. Uma hora alguém iria perceber, e perceberam. Pelo conjunto da obra, o nome de Toffoli foi citado nove vezes no relatório da Transparência Internacional que coloca o Brasil no bloco dos países mais corruptos do mundo em 2023 – sua pior colocação em quase 30 anos.
Ficou horrível, mas Toffoli, fiel ao seu jeito de ser, tornou a coisa mais horrível ainda. Era impossível, desta vez, jogar a culpa de tudo no “bolsonarismo” que, segundo o STF, persegue sem parar os ministros com as suas críticas. As denúncias foram feitas por uma organização mundial com reputação de primeira classe. Toffoli, então, optou por uma mesquinharia grosseira, rancorosa e vulgar, bem no estilo das ditaduras subdesenvolvidas que tanto inspiram o “campo progressista” no Brasil. Mandou “investigar” a Transparência Internacional por conta de acusações mortas e anuladas desde 2020 – uma simulação de atividade sem qualquer efeito prático, visto que a entidade tem sua sede em Berlim e está pouco se lixando para Alexandre de Moraes, a Polícia Federal e o STF inteiro.
Nem aqui no Brasil, dentro de um sistema judicial que funciona como partido político a serviço do conglomerado governo-STF, Toffoli teve maior sucesso. A Procuradoria Geral da República disse que as suas razões para anular as multas da J&F e da Odebrecht se baseavam em “ilações” sem valor jurídico. Mais que isso, sempre foram absurdas. Toffoli alega, para justificar sua decisão, que as empresas talvez não tenham aceitado “voluntariamente” os acordos com o MP – como se os seus diretores tivessem sido “torturados psicologicamente” para trocar a cadeia pela multa. (É esta a doutrina jurídica corrente no STF: prova de corrupção não vale nunca, porque foi obtida com “tortura psicológica”.)
É possível, no fim dessa história, que todo mundo saia feliz. Toffoli pode dizer à Odebrecht e a J&F que fez tudo que estava ao seu alcance; “missão cumprida”, na linguagem atual dos ministros supremos e superiores. PGR e corruptores abrem uma nova fase de negociações, com eventual redução dos montantes a pagar. As nossas “instituições”, como sempre diz o ministro Barroso, dariam mais um show de bola. Mas as pretensões do STF ao respeito internacional, com Toffoli e com tudo o que ainda vem pela frente, estão indo cada vez mais para o espaço.