De um lado pé no freio, com a taxa Selic elevada – atualmente em 11,75% ao ano. Do outro, pé no acelerador, com mais gastos de governo. A falta de consenso na política econômica pode cobrar um duro preço mais à frente, com juros que podem ser mantidos nas alturas por mais tempo para tentar conter a inflação.
Mas, no curto prazo, as expectativas de economistas são de um crescimento menor do PIB em 2024. Depois de três anos seguidos com expansão do PIB próxima ou superior a 3%, os efeitos da taxa Selic devem ser sentidos com maior força.
A mediana das expectativas para a expansão do PIB em 2024 estava em 1,51% na terça-feira (26). “Não há motivos para um crescimento mais forte”, afirma o coordenador de contas nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV Ibre), Claudio Considera.
Além da Selic, outros fatores tendem a contribuir para esse cenário, destacam analistas ouvidos pela Gazeta do Povo:
Menor contribuição da agricultura, já que haverá uma queda na safra 2023/24;
Arrefecimento da atividade econômica global, com a manutenção da política de juros altos nas principais economias;
Menor impulso fiscal, apesar da manutenção do viés expansionista dos gastos públicos;
Esgotamento do impulso das transferências de renda.
Atividade econômica já dá sinais de desaquecimento
A atividade econômica já mostra sinais de desaquecimento. Um dos termômetros é o Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV), que aponta que o crescimento acumulado nos 12 meses até outubro foi de 2,9%. No final do primeiro trimestre, a expansão anualizada da economia era de 3,6%.
Outro é o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR). Nos 12 meses encerrados em outubro, o indicador fechou com variação de 2,19%. O índice terminou 2022 com alta de 2,9%.
Serviços continuam puxando crescimento entre os setores
Um setor em que a desaceleração deve ser mais evidente é o de serviços, o principal motor do PIB brasileiro. O ritmo de crescimento anualizado passou de 8,3%, em dezembro de 2022, para 3,6%, em outubro.
Mesmo assim, a expectativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) é de que em 2024 a atividade se expanda 2,7%. “Mesmo com essa perda de ritmo, os serviços terão um crescimento confortável”, diz o economista sênior do banco Julius Baer Brasil, Gabriel Fongaro. Dois fatores vão se contrabalançar e influenciar no desempenho setorial: do lado positivo, a política de gastos do governo, que vai estar no acelerador; do negativo, os juros que vão seguir em patamares considerados restritivos pelo mercado.
A confiança dos empresários do setor, entretanto, está em baixa. Um levantamento do FGV Ibre mostra que ele está no menor nível desde março de 2023. O economista Stefano Pacini diz que o ciclo de queda na taxa de juros e a redução de endividamento das famílias não parecem ser suficientes para garantir uma resiliência em 2024.
A agropecuária, que foi o grande destaque de 2023, com um crescimento do PIB setorial de 18,1% nos três primeiros trimestres frente a igual período do ano anterior, deve ter um desempenho mais tímido em 2024. “O agro não entregará um resultado bom em 2024”, comenta o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima uma safra de 312,3 milhões de toneladas, 2,4% inferior aos excepcionais resultados do ciclo 2022/23.
A Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) espera a continuidade do crescimento do PIB “dentro da porteira”, porém em ritmos mais modestos. A mediana das projeções do Relatório Focus indicava, no dia 22, uma estabilidade em relação a este ano. No final de novembro, a expectativa era de um crescimento de 1,3%.
Outros desafios além das incertezas domésticas e externas, que podem tornar o ano mais complexo, são as questões climáticas, como o “El Niño” – o fenômeno que resulta no aquecimento das águas do Pacífico Central – e os preços esperados para o próximo ciclo.
A questão climática deve afetar a produção no Mato Grosso, estado que é o maior produtor de soja e um dos maiores cinturões verdes do país, causando perdas de 20% no estado, segundo o Itaú BBA. Havia previsão de boas chuvas neste mês que não se concretizaram; o que houve foi uma nova onda de calor.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) espera que o PIB setorial tenha um crescimento de 0,9% no ano que vem. O desempenho por segmento, entretanto, não será homogêneo.
As maiores contribuições virão da indústria extrativa, beneficiada pelas exportações de petróleo, e pelos serviços industriais de utilidade pública (como água, energia e saneamento). A projeção é de uma expansão de 2% desses segmentos. Para o setor da construção, espera-se um incremento de 0,7% no PIB.
As projeções para a indústria de transformação são menores: 0,3%. “Ela vive um momento de estagnação há anos, causada por problemas estruturais”, destaca Fongaro.
Gastos de governo aumentam com o consumo das famílias
Do lado das atividades, devem crescer as despesas de consumo da administração pública, também conhecida como gastos do governo. O consenso de mercado, medido pelo boletim Focus, sinaliza para uma expansão de 1,5%, bem próxima da projetada para o PIB.
Pelo menos dois fatores favorecem este cenário de mais gastos públicos, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo: uma postura mais leniente do governo do presidente Lula (PT) em relação à situação fiscal e as eleições municipais, previstas para outubro.
Um problema relacionado à situação fiscal, segundo Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, é a arrecadação. Apesar dos esforços feitos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não há garantias de um crescimento mais vigoroso. Novas medidas foram anunciadas no dia 28, como a reoneração da folha de pagamento. Pesa também o crescimento menor da economia, que dificulta uma arrecadação mais robusta.
O consumo das famílias, uma das variáveis mais relevantes para a formação do PIB e que compõe aproximadamente 65% deste, deve continuar crescendo, porém em um ritmo menor.
Rodolfo Margato, da XP Investimentos, diz que o mercado de trabalho segue como principal fator de sustentação, mas a geração de empregos e a elevação dos salários tendem a perder força. Na contramão, os principais indicadores do mercado de crédito devem melhorar gradativamente.
Uma contribuição importante para o PIB virá do setor externo, diante da possibilidade de mais uma safra forte (ainda que menor se comparada ao do ano passado) e das vendas externas de petróleo. A avaliação é de que os impactos serão menores do que os verificados em 2023.
A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) projeta que as exportações deverão ter uma queda de 0,6% em relação a 2023, atingindo US$ 334,5 bilhões. O resultado é influenciado pela safra um pouco menor. Já as importações devem crescer 0,6%, chegando a US$ 241,8 bilhões.
A entidade vislumbra um cenário favorável para os próximos anos, diante da aprovação de reformas estruturantes como a tributária. “Abre perspectivas para a criação de condições para se alcançar impactos positivos na redução do Custo Brasil e gerar maior competitividade de exportações, especialmente de produtos manufaturados”, destaca.
O investimento, que caiu nos últimos quatro trimestres em relação aos três meses anteriores, é uma fonte de preocupação, já que ele é o motor do crescimento futuro. “A redução na Selic vai estancar a queda, mas não se espera uma recuperação mais firme”, afirma o economista do Julius Baer Brasil.
As eleições podem dar uma “ajudinha”, diz Considera, do FGV Ibre. “Raramente não há crescimento em anos eleitorais, mas os impactos são bastante limitados.”
Mesmo diante das perspectivas de continuidade da redução na taxa Selic, não há muitas esperanças para uma reação do investimento. A taxa brasileira foi de 16,6% do PIB no terceiro trimestre, enquanto em outros países emergentes ela supera os 20%. A média global, segundo o Banco Mundial, é de 26,2%.
“Não existe solução mágica”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Para ele, entre os dificultadores para o crescimento estão a “economia fechada e extremamente regulada” e a “rigidez jurídica”.
Considera complementa o raciocínio dizendo que é preciso mais clareza em relação ao futuro. “O empresário mira um horizonte de 10, 20 anos e não tem uma certeza da remuneração líquida de seu capital.” (Gazeta do Povo)