Nos últimos meses, dois leilões de infraestrutura preparados pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram de ser cancelados em cima da hora devido à falta de interessados. Em agosto, foi um terminal portuário em Porto Alegre e, em novembro, a duplicação da BR-381, também conhecida como “rodovia da morte”, entre Belo Horizonte e Governador Valadares (MG).
Outros leilões, como dois lotes de rodovias no Paraná em um total de 1.077 km, tiveram poucos interessados: a primeira concessão, em agosto, teve dois concorrentes; a segunda, apenas um. Na última quarta-feira (13), apenas um grupo participou do leilão de um terminal no Porto de Paranaguá – em três tentativas anteriores, ninguém havia se interessado.
Dependendo do modelo de leilão, a baixa concorrência leva a uma menor arrecadação de recursos pelo Estado ou a tarifas mais altas cobradas do usuário dos serviços concedidos. Ou, nos casos extremos, nem uma coisa nem outra: a obra simplesmente não sai.
A realidade é bem diferente do que se via há mais de dez anos, quando os leilões de concessão de ativos de infraestrutura atraíam mais interessados. Oito grupos disputaram, em janeiro de 2012, o trecho capixaba da BR-101. Em novembro de 2013, sete disputaram o trecho mato-grossense da BR-163. No mês seguinte, houve seis concorrentes na licitação da BR-163, em Mato Grosso do Sul, e oito na disputa pela BR-040, entre o Distrito Federal e Minas Gerais.
Na época, o Brasil vinha de um forte crescimento econômico, lembra a sócia-diretora da área de infraestrutura da KPMG, Tatiana Gruenbaum. Entre 2003 e 2012, o PIB acumulou crescimento de 45,6%. Depois, de 2013 a 2022, o avanço foi de apenas 5,3%, segundo o IBGE. Nesse período, o país atravessou uma forte recessão, do fim de 2014 a 2016, e ainda o impacto da pandemia da Covid-19.
O investimento em infraestrutura caiu abruptamente, apontam números da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib). O pico, registrado em 2014, foi de R$ 227,2 bilhões em valores atualizados, na soma de setor público e iniciativa privada. Em 2020, o valor despencou para R$ 149,7 bilhões em 2020. A partir de então, houve uma recuperação, com perspectiva de desembolsos de R$ 213,4 bilhões agora em 2023.
Apesar da recuperação dos últimos anos, o investimento está aquém do necessário. Para o Banco Mundial, economias de países emergentes e de crescimento rápido tendem a gastar entre 5% e 7% em infraestrutura. O Brasil tem investido entre 1,5% e 2% do PIB.
Projetos brasileiros estão defasados
A sócia da KPMG aponta que há uma dificuldade para atrair players para investir em infraestrutura no Brasil. Uma das razões é a forma como os projetos de infraestrutura foram estruturados.
“A maioria dos projetos que estão para leilão foi estruturada com tabelas orçamentárias de 2018/2019. Nós tivemos um hiato de quase três, quatro anos sem leilões, após o período Dilma [Rousseff]. Quando os leilões retomaram, eles vieram com o custo de capital e insumos com valores defasados”, diz ela.
Com a pandemia, houve uma forte alta no valor dos insumos e dos serviços da construção civil. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), a alta acumulada desde dezembro de 2019 foi de 51,8%. No mesmo período, a inflação oficial, medida pelo IPCA, foi de 26,6%.
Segundo Gruenbaum, ao analisar os leilões recentes, observa-se que eles foram modelados em uma outra realidade, o que torna o negócio pouco atraente, seja para um investidor nacional ou estrangeiro.
O governo prevê, no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), cerca de R$ 1,4 trilhão em investimentos em infraestrutura até 2026.
Mas a sócia da KPMG prevê dificuldades para o país cumprir o seu pipeline (conjunto) de projetos se eles não forem revisitados, ou mesmo reduzidos. “Os players locais poderiam ter mais interesse em um pipeline com projetos de pequeno e médio porte que acabariam diminuindo o risco do projeto e do investimento. Isso poderia ser mais atrativo”, diz.
Insegurança jurídica é um grande gargalo para a infraestrutura
Outro complicador para quem quer investir em infraestrutura no Brasil é a insegurança jurídica, apontam os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
“O investidor estrangeiro normalmente busca um ambiente econômico e político estável. Ele busca previsibilidade. Atualmente, estamos tendo frequentes mudanças regulatórias e incertezas políticas que acabam desencorajando o investimento de longo prazo”, destaca a sócia da KPMG.
Segundo Alexandre Aroeira Salles, sócio e advogado especializado em infraestrutura do escritório Aroeira Salles, há um somatório de desacertos praticados pelo Estado nos últimos anos. “O país não consegue fazer escolhas políticas e jurídicas que entreguem segurança ao setor privado.”
São, por exemplo, mudanças em regras, jurisprudência e politização das agências reguladoras, que foram criadas justamente para afastar concessões e eventuais privatizações de influências político-partidárias.
Um desses problemas ocorreu durante o governo Dilma Rousseff (PT). De um lado, nas concessões rodoviárias, optou-se por uma estratégia de limitar o preço dos pedágios. De outro, também se limitou a taxa interna de retorno (TIR), ou seja, a rentabilidade do projeto para o investidor. “Foi um desserviço muito grande, pois afetou o aspecto econômico-financeiro e criou um contencioso enorme”, diz o especialista da Aroeira Salles.
A possibilidade de retroceder em regras já estabelecidas também pode afugentar interessados. “Isso deixa os potenciais investidores ainda mais ressabiados”, diz Rafael Souza, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri).
Um questionamento comum é quando há necessidade de haver reequilíbrios contratuais. Os especialistas em infraestrutura apontam que é difícil haver um consenso nas conversas iniciais e a questão acaba se desdobrando em pleitos, arbitragens e processos judiciais que, muitas vezes, demoram e têm custo muito elevado.
“As empresas têm medo de entrar em um projeto em que tenham de pedir reequilíbrio de contrato ou que tenham de renegociar alguma coisa, porque é muito difícil hoje em dia renegociar um contrato de concessão”, diz Virgínia Mesquita, advogada especializada em infraestrutura da Demarest.
Ela lembra que os projetos de investimento são intensivos em capital. Uma demora para assegurar o reequilíbrio econômico-financeiro pode significar a “morte” do projeto, com obras paradas.
Questões macroeconômicas, como os juros, são importantes
Questões macroeconômicas também afetam a vida dos investidores nacionais e estrangeiros. Um dos principais problemas é a elevada taxa de juros brasileira. “Em um cenário com maior potencial de risco, isto acaba sendo mais uma fonte de desestímulo para os investimentos”, destaca Salles.
O investidor está de olho especialmente na taxa de juro de longo prazo. “É uma questão bem complicada no Brasil, onde há muita instabilidade.” Outro agravante é que historicamente as taxas são elevadas.
“As taxas afetam a entrada do investidor. Ele vai preferir investir em um título público a aplicar seus recursos em infraestrutura, que oferecem uma taxa interna de retorno que oscila entre 8% e 10% ao ano”, diz Mesquita.
Xadrez global também pesa nos investimentos em infraestrutura
O cenário está mais restritivo para investimentos devido à alta inflação global, que fez algumas das maiores economias aumentassem suas taxas de juro. “Por si só, o investidor brasileiro não tem capacidade de fazer os investimentos necessários. Não há dinheiro sobrando e é preciso olhar para os recursos externos”, diz Salles.
A disponibilidade de capital externo para o Brasil está diminuindo. Segundo o Banco Central (BC), de janeiro a outubro, entraram US$ 44,9 bilhões em recursos estrangeiros para o setor produtivo, 40% menos que no mesmo período do ano passado.
Nesse cenário de recursos mais escassos, há a concorrência com países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita, que estão investindo fortemente em infraestrutura. “As empresas estrangeiras acabam olhando para onde há um ambiente mais seguro e de menor burocracia”, destaca o especialista do Aroeira Salles.
Lava Jato afetou setor de engenharia pesada
Outra dificuldade veio com a Lava Jato, o escândalo de corrupção que envolveu Petrobras, grandes construtoras e o PT. A consequência para o segmento de engenharia pesada foi que muitas empresas ficaram com a liquidez comprometida, foram diluídas ou então desapareceram do mercado.
“Envolveu muito mais as empresas do que os empresários envolvidos em ilícitos. Comprometeu de maneira muito assustadora o setor de engenharia pesada”, diz Mesquita, da Demarest.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que ficaram no mercado as empresas de menor porte e as intermediárias, que, por si só, não conseguem assumir obras de alta complexidade. Elas precisam atuar por meio de consórcios ou operarem em conjunto para atender às necessidades.
A advogada lembra que as empresas do setor não têm apetite para projetos muito grandes, então, o governo precisa ter uma sensibilidade de, muitas vezes, fatiar alguns projetos. “Fica complicado colocar projetos de extensões brutais.”