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STF decide que imprensa pode ser punida por entrevistas com indícios de falsidade

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Foto: reprodução

STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou nesta quarta-feira (29) uma tese prevendo a possibilidade de responsabilização civil de empresas jornalísticas que publicarem entrevistas que imputem de forma falsa crime a terceiros, quando há indícios concretos de que as declarações são mentirosas.

A tese foi elaborada pelo ministro Alexandre de Moraes, com mudanças propostas por Luís Roberto BarrosoCármen Lúcia e Cristiano Zanin.

O texto diz que “a plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização”.

Essa responsabilização, que pode incluir remoção de conteúdo, seria por “informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais”.

“Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”, diz a tese aprovada pelo Supremo.

Entidades de imprensa manifestaram preocupação com a aprovação e cobraram esclarecimentos ao STF —embora tenham visto avanço em relação ao texto original proposto por Moraes.

Na discussão sobre a elaboração da tese, o ministro Edson Fachin, que será o relator do acórdão (a decisão completa do caso), disse que o texto “assevera a posição de centralidade da liberdade de imprensa e estabelece algumas circunstâncias extraordinárias onde essa responsabilização é possível”.

A ministra Cármen Lúcia sugeriu uma troca de expressão no trecho da tese sobre censura prévia, substituindo o termo “não permitindo” por “vedado”. Já Zanin pediu que fosse acrescentado o trecho sobre remoção de conteúdo.

O julgamento desta quarta vinha provocando reações de entidades que defendem a liberdade de imprensa e de expressão no país.

Nove organizações, incluindo a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e a ONG Repórteres Sem Fronteiras, afirmaram em manifestação que havia risco de “verdadeira e indesejável autocensura” nos veículos de comunicação brasileiros, a depender da decisão que os ministros tomariam.

Após o julgamento, o presidente-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Marcelo Rech, afirmou que a tese original de Moraes era “uma grave ameaça à liberdade de imprensa”.

Ainda assim, aponta que se mantém uma insegurança a respeito de como a imprensa poderá atuar, sobretudo por não definir o que são “indícios concretos de falsidade de imputação” e também por não informar o que aconteceria no caso de entrevistas ao vivo.

A entidade aguarda a publicação do acórdão para que essas dúvidas sejam dirimidas.

O presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Octávio Costa, disse que pelo menos o STF “teve a responsabilidade de abrandar” a decisão e que, de uma forma geral, “não é bom uma intromissão nos limites da liberdade de imprensa”.

Ele também considerou que é importante que o Supremo detalhe pontos da tese. “Eles vão ter que determinar muito bem o que é esse dever de cuidado.”

Katia Brembatti, presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), afirmou após o julgamento do Supremo que foi feita uma longa articulação “para que a decisão de hoje fosse menos ruim”.

Ela destacou que é preciso buscar o Supremo para que sejam esclarecidos alguns aspectos do entendimento, entre eles o que são os “indícios concretos de falsidade” e como isso vai ser interpretado nas diferentes esferas do Judiciário.

Taís Gasparian, advogada da Folha e cofundadora do Instituto Tornavoz, disse que a decisão da corte “não parece boa”. “Às vezes o fato noticioso é a própria imputação que o entrevistado faz durante a entrevista. A responsabilidade é do entrevistado. Jamais poderia ser do veículo.”

Após a sessão do STF, a presidente da Fenaj, Samira de Castro, disse que a tese aprovada cria “um grau de responsabilização minimamente condizente com nossas preocupações da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão”.

“Esse dever de cuidado que os ministros citam é, na verdade, o fato de você ouvir o outro lado e dar espaço para o contraditório na medida em que o seu entrevistado impute o que posteriormente for chamado de falso crime, [como] calúnia, injúria e difamação”, afirmou Samira.

Segundo ela, isso “abre espaço para um jornalismo responsável, que pratique de forma ética o direito ao contraditório”.

O caso concreto que deu origem a essa ação já foi julgado em sessão do plenário virtual (no qual os votos são publicados em um sistema eletrônico da corte) que começou em 2020 e, devido a interrupções, só se encerrou em agosto deste ano.

Esse caso concreto é um pedido de indenização contra o jornal Diário de Pernambuco por uma entrevista publicada em 1995. O STF manteve por 9 votos a 2 uma condenação do STJ (Superior Tribunal e Justiça) contra o veículo.

O processo que chegou ao Supremo trata da disputa do ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, que já morreu, contra o Diário de Pernambuco.

O ex-parlamentar foi à Justiça contra o jornal devido a uma entrevista na qual o delegado Wandenkolk Wanderley, também já falecido, dizia que Zarattini tinha participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, do Recife, em 1966.

A defesa de Zarattini sustentou que a informação não é verdadeira, que ele não foi indiciado ou acusado pela sua prática e que não foi concedido espaço para que ele exercesse seu direito de resposta.

O ex-deputado foi derrotado no Tribunal de Justiça de Pernambuco, mas ganhou o processo no STJ, com indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil.

O jornal recorreu ao Supremo. A defesa do Diário de Pernambuco afirmou que a decisão do STJ contraria a liberdade de imprensa e que a condenação se deu pela mera publicação da entrevista, sem qualquer juízo de valor.

Ressaltou a relevância do caso sob os pontos de vista jurídico e social e que fica em jogo a atuação dos veículos de comunicação, dado o risco de limitar o exercício constitucional da liberdade de imprensa.

Apesar de terem mantido a condenação do jornal, os ministros ainda não haviam decidido a respeito da tese que seria válida para outros casos similares. Essa discussão foi pautada para a sessão desta quarta, com a aprovação da tese.

Depois do julgamento, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou a jornalistas que o julgamento foi de “um caso muito excepcional, em que uma publicação de uma entrevista, anos depois de um fato, imputava um atentado terrorista a uma pessoa que já havia sido julgada, absolvida”.

“É um caso totalmente excepcional e nós estabelecemos uma regra geral, que o veículo não é responsável por declaração de entrevistado a menos que tenha havido uma grosseira negligência relativamente à apuração de um fato que fosse de conhecimento público”, afirmou.

“Portanto, se uma pessoa foi absolvida, faz parte do dever de cuidado do jornalista dizer que a pessoa foi absolvida. Esse é o debate. Não há nenhuma restrição à liberdade de expressão. Não há censura prévia.”

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