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Crise: Prefeito de Betânia-PI diz que repasses para concluir construção de barragem foram suspensos no início do governo Lula (PT)

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Foto: Folhapress

Fábio Macedo (PP) iniciou a construção de uma barragem de maior porte na cidade, primeiro passo para no futuro poder garantir a água tratada e encanada na torneira das casas

Folha de SP

O sol do meio-dia castiga, e Maria José dos Remédios, 47, encontra refúgio na sombra de uma algarobeira, árvore típica do semiárido. Após a manhã de trabalho intenso, a agricultora se permite um momento de descanso depois de almoçar um prato com arroz, feijão e ovo.

Moradora da comunidade quilombola do Baixão, zona rural de Betânia do Piauí (516 km de Teresina), Maria aguardava o cair do sol para cuidar das bananeiras que plantou ao lado de casa. Mas não tem muita esperança: com o período das chuvas ainda distante, sabe que a produção dificilmente vai vingar.

Seu único reservatório de água é uma cisterna que fez com recursos próprios e demandou 380 blocos e sete sacos de cimento. Na terceira semana de setembro o reservatório completava 22 dias vazio, à espera de um caminhão-pipa do Exército que viria apenas em outubro.

Para suprir a demanda do dia a dia, ela e o marido dependem de uma logística complexa: vão até um tanque, enchem os tonéis de água e levam para casa em uma carroça puxada por um burro: “É um pedacinho bom de chão para a gente chegar lá. Não é fácil”.

O município de Betânia do Piauí é uma espécie de oásis às avessas.

Encravada em uma das regiões mais carentes do semiárido, a cidade é uma das poucas do estado que não possuem água encanada nem na zona urbana. Seus 6.200 habitantes são reféns dos caminhões-pipa, que abastecem as casas com água sem tratamento.

Mesmo com tamanha insegurança hídrica, a cidade não foi beneficiada com doações de reservatórios de água por órgãos federais como Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) e Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).

O cenário reflete o contraste entre as áreas ignoradas e as abastadas em equipamentos de convivência com a seca, efeito direto do avanço das emendas parlamentares, que empoderam o Congresso com envio de recursos apenas para áreas indicadas por deputados e senadores.

A intervenção mais recente da Codevasf na cidade foi uma quadra de esportes, inaugurada em dezembro de 2021. Enquanto isso, a obra de barragem que está sendo feita por meio de um convênio com o governo federal está parada e com os repasses suspensos.

Com orçamento restrito, a prefeitura possui dois caminhões-pipa –um próprio e um alugado– para abastecer as casas da cidade, cenário que cria uma fila da água cuja espera pode chegar a semanas. Na zona rural, 12 caminhões do Exército levam água para as comunidades.

Quem não pode esperar tem que pagar por um caminhão de água –a prefeitura estima que 40 veículos particulares fazem esse trabalho. O preço de uma “carrada” para encher uma cisterna pode variar entre R$ 70 e R$ 130, a depender da distância da localidade.

Na represa, que fica nos arredores da zona urbana da cidade, o vaivém de veículos é intenso. Os pipeiros fazem até sete viagens por dia para recolher e distribuir a água para as famílias.

A água bruta é distribuída sem nenhum tipo de tratamento. Sem água limpa encanada, as famílias improvisam: usam cloro para eliminar as impurezas e recorrem a bombas para levar a água da cisterna para as torneiras de casa.

“Esta água eu uso só para banhar, lavar roupa e lavar louça. Para beber e para fazer comida a gente usa água mineral. Tem que comprar toda semana”, afirma a dona de casa Kaliane Pereira, 21, que mora com o marido e o filho em uma casa na região central da cidade.

Sem acesso à água potável de forma permanente, não são raros os casos de doenças infeciosas na cidade. A taxa de mortalidade infantil, segundo dados do IBGE, é de 38 mortes para cada 1.000 nascidos vivos, número quase quatro vezes maior do que a média nacional.

Nas comunidades da zona rural, o cenário é mais complexo. Sem abastecimento frequente por meio dos caminhões-pipa da prefeitura e do Exército, as famílias se viram como podem e muitas vezes chegam a percorrer quilômetros para buscar água em pequenos açudes e tanques-d‘água.

Em parte dos povoados, equipamentos de dessalinização são a única opção de água para beber e cozinhar. Na comunidade quilombola do Baixão, dois sistemas são utilizados para tratar a água salobra retirada de poços artesianos, separando a água potável da água salgada.

O estoque, contudo, é limitado. O sistema é acionado apenas três vezes por semana, quando as famílias fazem fila para abastecer garrafões, galões e até baldes com a água que vai para consumo próprio.

Moradora da comunidade, a dona de casa Marizete Maria dos Santos, 35, não possui cisterna em casa para armazenar água. Diariamente, ela acorda por volta das 4h para buscar água em uma fonte, de onde volta carregando baldes nas mãos e na cabeça.

“A perna da gente já anda fraca de tanto que a gente anda para pegar água”, afirma Marizete, cuja jornada ainda inclui mais caminhadas para buscar lenha para cozinhar para a família.

Idenailza Santos Souza, presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais Quilombolas de Baixão, afirma que a falta de abastecimento de água é um problema crônico que afeta principalmente a população mais vulnerável, que muitas vezes deixa de comprar comida para contratar um caminhão-pipa.

Para dar maior autonomia às famílias, ela defende a construção de novas barragens, açudes e tanques-d’água na comunidade para garantir água na estiagem, que pode chegar a oito meses por ano.

“A solução é um reservatório grande para, quando vir a chuva, aquela água não ir para tão longe. Ela tem que ficar na comunidade”, afirma.

Para tentar contornar o problema de abastecimento em Betânia do Piauí, o prefeito Fábio Macedo (PP) iniciou a construção de uma barragem de maior porte na cidade, primeiro passo para no futuro poder garantir a água tratada e encanada na torneira das casas.

POLÍTICA DA SECA

Série de reportagens mostra como uso de emendas parlamentares prejudica acesso à água no semiárido

Orçada em R$ 5 milhões e com 81% de execução, a obra é feita por meio de convênio com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional.

O prefeito alega que os repasses foram suspensos no início do governo Lula (PT) e diz ser vítima de perseguição política por ser aliado do senador Ciro Nogueira (PP), ex-ministro e apoiador de Jair Bolsonaro (PL).

Em nota, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional informou que a prefeitura paralisou a obra da barragem em 2022 função rescisão contratual com a empresa contratada. Uma nova licitação foi realizada em abril deste ano.

A pasta informou que prazo do convênio será ampliado para até abril de 2024 e que ainda vai realizar a complementação orçamentária para repassar a última parcela da obra, no valor de R$ 2 milhões.

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