Presidente chegou a dizer anteriormente que considerava ‘grave’ negociação sigilosa com líderes políticos
Por Folha de São Paulo
Apesar das seguidas declarações de que só faria negociações “à luz do dia”, o presidente Lula (PT) passou a adotar algumas táticas para esconder reuniões em que trata da reforma ministerial, em particular com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Esses encontros têm ocorrido à noite, fora da agenda dos dois chefes de Poderes, que chegam a dispensar seus comboios de segurança e a usar carros “à paisana” para não serem notados.
A atitude lembra a do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que enviava comboios de vários carros a determinados locais, sem que estivesse presente, para despistar a imprensa. Bolsonaro era criticado por petistas pela falta de transparência nas agendas, o que agora ocorre também sob Lula.
Os procedimentos adotados pelo Palácio do Planalto contrariam declarações do presidente Lula, que sempre afirmou que faria todas as negociações com transparência e que não queria “conversa secreta”.
“No momento certo, nós vamos conversar [com Lira e líderes partidários] da forma mais tranquila possível. Eu não quero conversa escondida. Eu não quero conversa secreta”, afirmou o presidente em entrevista à TV Record, no dia 13 de julho.
“Na hora que voltar o Congresso Nacional, que for juntar os líderes dos partidos que eu vou conversar, toda a imprensa vai ficar sabendo o que que eu conversei com cada um, o que foi ofertado para a participação do governo e o que o governo quer estabelecer de relação com o Congresso até o final do mandato”, completou o presidente na mesma entrevista.
Lula então acrescentou que é “grave” quando os encontros não são feitos com transparência. E ainda disse que preferia fazer as tratativas à luz do dia, até para que todos soubessem da verdade e alguns jornalistas não precisassem “ficar inventando fonte”.
“O que é grave é quando você passa a ideia de que é secreto. Aí você já cria a tese da suspeição. E nunca é bom você viver sob suspeição. Por isso, é importante a gente fazer acordo à luz do dia”, completou.
O presidente repetiu essa defesa pela transparência no dia 25 de julho, durante a sua transmissão semanal, o Conversa com o Presidente. Disse que tem interesse que “toda a imprensa saiba” quando ele se reunir com lideranças para tratar de cargos no governo federal.
Lula ainda disse na mesma transmissão que “não tem conversa sigilosa na minha vida política”.
O encontro mais recente aconteceu na noite de quarta-feira (16), na residência oficial da Câmara dos Deputados. Foi confirmado nos bastidores por assessores palacianos, mas oficialmente os dois lados silenciaram. Nem confirmaram nem negaram.
A reunião aconteceu em meio às negociações para destravar a reforma ministerial, que Lula pretendia concluí-la antes de viajar para a África do Sul, para a cúpula dos Brics. O mandatário embarcou no domingo à noite.
A dificuldade está em encontrar um lugar para André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), que já foram confirmados oficialmente no governo, mas sem definição em quais pastas. A semana terminou sem desfecho para a novela.
Naquele dia, o presidente deixou o Palácio do Planalto no início da noite, por volta das 19h20, mas não seguiu para o Palácio da Alvorada –um trajeto que levaria menos de 5 minutos.
Jornalistas que estavam em frente à casa de Lira viram entrar e sair um único carro, de um modelo parecido ao usado pela Presidência para as principais autoridades. Cerca de 15 minutos após a saída desse veículo, o comboio presidencial finalmente chegou ao Alvorada, por volta das 20h40.
Assessores palacianos confirmam que o encontro aconteceu nesse intervalo de tempo. Embora não revelem como foi a operação, a suspeita é de que Lula tenha trocado de veículo em algum lugar no meio do caminho.
O chefe do Executivo também recebeu o presidente da Câmara e principal interlocutor do centrão duas vezes no Palácio da Alvorada à noite. Em nenhuma das vezes os encontros estiveram nas agendas das autoridades.
No último dia 2, a reunião chegou a ser negada inicialmente pela assessoria do presidente. Lula recebeu Lira na sua casa, discutiram política, tomaram uísque, o petista deu sua palavra de que entregaria ministérios ao PP e ao Republicanos –mas não disse quais.
Lira também chegou ao Palácio do Alvorada sem o seu tradicional comboio de segurança.
No início do ano, o primeiro encontro do presidente com o presidente da Câmara aconteceu na casa do ministro da Secom, Paulo Pimenta, com os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil) e o líder do governo na Câmara, José Guimarães. Também informal, beberam e comeram churrasco.
O chefe do Executivo também já participou de um jantar na casa do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), com a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, e o então ministro indicado à corte Cristiano Zanin. O encontro ocorreu na véspera da posse do advogado do petista no Supremo, em 2 de agosto.
O Palácio do Planalto foi procurado, mas não se manifestou até a publicação desta reportagem.