Não é de hoje que o Primeiro Comando da Capital (PCC) utiliza o serviço de advogados para cometer crimes. Mas a principal organização criminosa no Brasil também trabalha para formar os próprios juízes e promotores.
Autoridades têm detectado uma movimentação da facção criminosa para ingressar em tribunais de justiça e no Ministério Público por meio de concursos públicos. Até onde se sabe, não há fraude envolvida no processo de seleção: tudo seria feito dentro das regras como parte de uma estratégia de longo prazo, que inclui o financiamento das mensalidades de Direito a jovens que, no futuro, possam ser aprovados nos concursos públicos e passem a atuar como agentes do crime organizado dentro da máquina estatal.
As tentativas de infiltração se tornaram mais frequentes nos últimos anos e chamaram a atenção do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Na última semana, o órgão determinou na que a Polícia Federal investigue a tentativa do PCC influenciar o Judiciário por dentro. O corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, assinou a ordem.
O avanço do PCC nesse campo é mais um passo na estratégia do grupo, cuja atuação vem se tornando mais sofisticada, e se assemelha ao comportamento de grupos criminosos de outros países — como a máfia de Chicago, chefiada por Al Capone nos anos 30, e a organização liderada pelo traficante colombiano Pablo Escobar.
O subprocurador-geral José Carlos Cosenzo afirma que o fato já é conhecido há alguns anos. “Nós já detectamos, alguns concursos atrás, da mesma forma que a magistratura detectou”, diz. Ele acrescenta que a facção criminosa tem bancado as mensalidades do curso de Direito para futuros advogados e agentes públicos. “Eles patrocinam o curso de Direito na universidade para depois a pessoa advogar para eles e tentar ingressar nas carreiras jurídicas. Eles tentam colocar gente no Ministério Público e no Judiciário”, explica.
O método “tradicional” do PCC para influenciar a atuação da Justiça e dos órgãos de segurança pública envolve dois caminhos: a violência direta e a corrupção. No primeiro caso, as consequências costumam ser pesadas. No segundo, a tentativa de cooptação pode ter o efeito contrário do desejado. A formação dos próprios quadros para influenciar a atuação da Justiça é, de certa forma, uma tentativa de evitar esses riscos. Ao comprar a lealdade do futuro bacharel de Direito, o PCC passa a ser credor de uma dívida sem prazo de validade. “Para eles, é melhor colocar uma pessoa que eles já conhecem desde muito antes”, analisa Cosenzo.
Não necessariamente os integrantes do PCC prestam concurso para os cargos mais altos, como o de promotor e juiz. Outras funções, como oficial de promotoria e analista, também são procuradas pelos criminosos. “É mais fácil se infiltrar em cargos menores onde você tem acesso aos processos do que num cargo maior em que você é vigiado por todos”, afirma o subprocurador.
Cosenzo explica que o Ministério Público tem aprimorado a investigação sobre os inscritos nos concursos. Além do cruzamento de dados com outras unidades da federação, o processo inclui entrevistas com pessoas próximas do candidato e, mais recentemente, ferramentas digitais que ajudam a detectar qualquer suspeita no passado do candidato. O trabalho tem o apoio do Cyber Gaeco, unidade criada em 2018 como um braço do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado.
Depois de tomarem posse, os aprovados no concurso também passam por dois anos de acompanhamento rigoroso durante o estágio probatório. “No tempo em que ele está no estágio probatório, nós continuamos fazendo o levantamento dos antecedentes e do histórico social. Se tiver algum problema de qualquer ordem que possa prejudicar a atuação do membro como integrante do MP, ele é dispensado”, explica Cosenzo.
O subprocurador diz que não pode detalhar os números, mas afirma que o número de candidatos ligados ao PCC vinha crescendo na última década, até que houve uma queda considerável no último concurso. Ele atribui a diminuição aos esforços adotados para barrar candidatos ligados à organização criminosa. (Revista Oeste)