A volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto criou dentro do PT um movimento para reabilitar publicamente o ex-ministro José Dirceu, condenado por corrupção no escândalo do mensalão e na Operação Lava Jato. Apesar de não ter cargo no atual governo, Dirceu exerce forte influência dentro da bancada petista e até em integrantes de partidos do Centrão, com os quais ele mantém conversas regulares.
A reaparição oficial de Dirceu aconteceu em fevereiro, durante o aniversário de 43 anos do PT, onde ganhou uma cadeira no palco ao lado de nomes como a ex-presidente Dilma Rousseff e da presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PR). Na ocasião, Lula defendeu que o ex-ministro “coloque a cara para fora”.
“Casualmente, eu vi o Zé Dirceu lá sentado até meio escondidinho. Eu acho que não tem que andar escondido. Tem que colocar a cara para fora. A gente tem que brigar para construir outra narrativa na sociedade brasileira. Nenhum partido foi mais massacrado que o PT”, disse o presidente.
Dirceu foi internado neste ano durante cinco dias para tratar um hematoma subdural (que poderia ter sido causado por pancada na cabeça, mas detalhes não foram divulgados). Ele chegou a ser condenado a 40 anos de prisão por inúmeros crimes, mas atualmente está em liberdade.
O ex-ministro foi um dos homens mais importantes do primeiro governo Lula, entre 2003 e 2005. A saída da Casa Civil ocorreu em meio ao escândalo do mensalão, denunciado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB).
À época, Dirceu foi acusado de chefiar a organização do esquema de pagamento de propina para deputados em troca de apoio pela aprovação de propostas do governo no Congresso. Em dezembro de 2005, o ex-ministro teve o mandato de deputado federal cassado por quebra de decoro parlamentar.
Para Lula, no entanto, o ex-ministro é um “agente político e não deve ser penalizado para sempre”. “Ninguém pode ser penalizado a vida inteira. Ninguém pode ser na política criminalizado de forma perpétua. O José Dirceu é um agente político, um militante político, da maior qualidade. Ele está voltando a participar dos eventos do PT”, reforçou Lula durante entrevista à CNN Brasil.
Interlocutores do governo afirmam que Dirceu foi um dos principais incentivadores para que Lula fosse candidato novamente à Presidência depois de deixar a prisão em Curitiba, em 2019. Àquela altura, o ex-presidente ainda não tinha recuperado os direitos políticos e integrantes do PT já trabalhavam com o nome de Fernando Haddad para ser o candidato contra Jair Bolsonaro (PL) na disputa de 2022.
Apesar disso, Dirceu é apontado por petistas como uma das lideranças que defendeu a ideia de que o partido trabalhasse para que Lula reabilitasse os seus direitos políticos antes do pleito. O ex-presidente deixou a prisão depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu derrubar a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância. Até então, Lula vinha sinalizando que pretendia deixar a vida pública para viver com Rosângela Silva, a Janja.
Os direitos políticos de Lula só foram recuperados, no entanto, em abril de 2021, quando o ministro do STF Edson Fachin decidiu anular todas as condenações de Lula pela Lava Jato. O ministro também declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, a primeira instância da Lava Jato, para julgar processos que envolvem o petista. Lula já havia sido condenado em três instâncias no caso do tríplex do Guarujá e em outras duas no caso do sítio de Atibaia.
A decisão foi referendada pelo plenário da Corte, que declarou a suspeição do então juiz Sergio Moro no julgamento dos processos.
José Dirceu mantém influência sobre a bancada do PT no Congresso Nacional
Apesar dos acenos públicos de Lula, integrantes do Planalto afirmam que José Dirceu não tem pretensão de ocupar cargos dentro do governo. Na contramão, o ex-ministro costumar exercer forte influência sobre as pautas do partido de Lula dentro do Congresso Nacional.
Lideranças do PT dizem que o ex-ministro é um quadro importante da legenda e por isso costuma ser ouvido por deputados e senadores. Recentemente, por exemplo, o filho do ex-ministro, o deputado Zeca Dirceu (PR), foi eleito para assumir a liderança do partido na Câmara.
Dirceu foi ouvido, por exemplo, pelos deputados da bancada que tentam emplacar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera artigo 142 da Constituição e delimita as missões atribuídas aos militares. A proposta foi apresentada pelo deputado Carlos Zarattini (SP) depois dos atos de vandalismo em Brasília.
O artigo 142 descreve o funcionamento das Forças Armadas e começou a ser citado equivocadamente por apoiadores do ex-presidente Bolsonaro para defender a tese de que os militares seriam uma espécie de mediadores dos Poderes. Entre outros pontos, a PEC pretende colocar na reserva os militares que assumirem cargos públicos e acabar com a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A GLO é uma operação realizada por ordem do presidente da República e adotada em situações graves de perturbação da ordem.
Para que a PEC comece a tramitar na Câmara são necessárias 171 assinaturas dos deputados. A ideia da bancada petista é levar o tema para debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que será presidida pelo deputado Rui Falcão (PT-SP) ainda no primeiro semestre.
Apesar disso, integrantes do Planalto resistem ao texto, pois temem que o avanço da PEC possa atrair uma nova crise de Lula com os militares. Além disso, também existe uma avaliação de que a proposta tende a dividir a base de apoio de Lula, composta por diversos partidos, entre os quais os do Centrão. (Gazeta do Povo)