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Por que não discutir os impactos socioambientais dos negócios do vento?

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Foto: reprodução

*Por Heitor Scalambrini Costa

A energia eólica, aquela que produz energia elétrica pela força dos ventos, tem crescido em vários países do mundo, em particular no Brasil, na região Nordeste. Dos 9 estados, 8 contam com complexos eólicos instalados em seus respectivos territórios, em áreas rurais e costeiras (onshore). Além de vários projetos em fase de licenciamento, para áreas afastadas da costa marítima (offshore).

Segundo a Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias que congrega os interesses das empresas da cadeia produtiva da energia eólica), a potência instalada em dezembro de 2021 ultrapassou os 20 gigaWatts (GW), com aproximadamente 751 parques eólicos, e mais de 8.800 aerogeradores instalados. O que representa aproximadamente, 11% da matriz elétrica nacional. As estimativas é que no final de 2025 a potência instalada atinja 35 GW, o que corresponderia a 2,5 usinas de Itaipu.

O potencial eólico brasileiro é de 500 GW em terra, avaliado na atualização do Atlas Eólico Brasileiro feito em 2017, a partir de levantamentos realizados em 2013. Este valor é um pouco menor que o triplo da atual potência total instalada para geração de energia elétrica, incluindo todas as fontes disponíveis, como hidrelétricas, biomassa, gás natural, óleo, carvão e nuclear. A energia eólica ocupa o quarto lugar na matriz elétrica nacional. Sem dúvida uma das principais fontes de energia elétrica para a transição energética.

Todavia, são constatados inúmeros impactos socioambientais diante do crescimento vertiginoso, desordenado, e muitas vezes predatório, respaldados na frouxidão da legislação ambiental, justificada como necessária para atrair os empreendedores dos negócios do vento. A prova da ausência das boas práticas (https://congressoemfoco.uol.com.br/temas/meio-ambiente/geracao-eolica-nao-cumpre-as-boas-pratica-socioambientais/), que respeitem a natureza e as pessoas, são descritas nos vários estudos acadêmicos realizados, principalmente por pesquisadores e cientistas das Universidades Federal de Pernambuco, Federal do Rio Grande do Norte e Federal do Ceará. Além das denúncias frequentes realizadas pelos povos indígenas, agricultores familiares, comunidades pesqueiras, atingidos direta ou indiretamente pelos impactos das instalações dos complexos eólicos de grande porte (https://portal.unicap.br/-/nem-tudo-e-verde-para-a-energia-eolica-em-larga-escala).  .

Mesmo com este acúmulo de conhecimento científico, de denúncias à sociedade, de provocações realizadas junto ao Ministério Público Federal e Estadual, a Defensoria Pública da União, aos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente; os impactos socioambientais não são considerados, e sua discussão é evitada. Só falta ainda recorrer ao bispo de Itu.

Os problemas apontados atingem desde o desmatamento de grandes áreas para a instalação dos aerogeradores e transformadores (em torno de 1 ha/torre), além das vias de acesso com a construção de estradas de até 12 metros de largura. As áreas de plantio e criação de animais são afetadas, e os depoimentos de moradores são categóricos em afirmarem a diminuição da produção de leite, de ovos, abortos de animais prenhes, devido à proximidade das torres eólicas.

O movimento das pás, durante o dia e a noite, tem afetado a saúde mental da população do entorno (efeito estroboscópio). Segundo pesquisas, o sombreamento e o ruído intermitente causam incômodo e prejudicam pessoas que sofrem de epilepsia, além de provocar insônia, ansiedade, depressão, perda da audição e dores de cabeça.

O grau de sombreamento projetado pelas pás e o ruído causado pelo movimento das pás (mecânico e aerodinâmico), dependem da distância dos aerogeradores até as moradias, e locais de criação de pequenos animais. Quanto mais próxima for a distância, mais relevante é este efeito. Uma tentativa legislativa (Projeto de Lei Ordinária 620/2019) de limitar a distância mínima a 500 metros, entre as torres e as moradias, foi barrada pela Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Assembleia de Pernambuco (ALEPE). Mesmo considerando que a proximidade das torres eólicas também é uma questão de segurança das pessoas.

Acidentes nos aerogeradores, mesmo que raros, podem atentar contra a vida de moradores e funcionários das empresas eólicas. Em julho de 2019, no sitio Pau Ferro, em Caetés (245 km de Recife), agreste Pernambuco, a turbina de um dos aerogeradores do complexo eólico Ventos de São Clemente, propriedade da Echoenergia (controlada pela empresa britânica de private equity Actis) desabou, após o rompimento da torre que a sustentava.

Em dezembro de 2021, ocorreu outro acidente no complexo eólico da Casa dos Ventos, localizado no sítio Sobradinho, município de Caetés. Uma das pás de um aerogerador quebrou ao meio, precedido de um forte barulho, causando pânico aos moradores. Este complexo pertence a Cubico Sustainable Investments (cujo proprietário são três sócios: Banco Santander, fundo de pensão dos professores de Ontario- Teacher´s Pension Plan, e o administrador de fundos de pensão do Canadá- Public Sector Pension Investment Board). Neste complexo as torres eólicas estão situadas a menos de 150 metros das residências.

Acidentes aconteceram em parques eólicos instalados em outros estados nordestinos. No Rio Grande do Norte, no parque eólico Rei do Ventos, em fevereiro de 2021, dois aerogeradores ficaram avariados. Em um deles o rotor da turbina eólica incendiou, e no outro, as pás e os equipamentos de conversão, que ficam no topo da torre de sustentação, despencaram. No parque eólico Arizona, município Rio do Fogo, litoral norte, em janeiro de 2022, uma das torres desabou. No Piauí, em fevereiro de 2020, no parque eólico operado pela Omega Geração, no município de Ilha Grande, pás e rotor despencaram da torre de sustentação, que permaneceu intacta. No Maranhão, em setembro de 2019, no parque eólico Delta 6, município de Paulino Neves, a empresa Omega Geração registrou um acidente em uma turbina eólica que feriu um empregado.

Atualmente em Pernambuco, verifica-se o avanço dos negócios do vento sobre os Brejos de Altitude (resquícios da Mata Atlântica), nos municípios de Bonito e Brejo da Madre de Deus, colocando sob ameaça a sua biodiversidade, e a grande quantidade de nascentes existentes, que alimentam aquíferos e vários rios importantes. Também a Terra Indígena Kapinawá é outro território almejado para a instalação de parques eólicos. Os Kapinawás são um grupo indígena que habita a serra do Macaco, nos limites dos municípios de Buíque, Tupanatinga e Ibimirim, todos no estado de Pernambuco. Neste caso, a área abrangida pela empresa Energia de Buíque Ltda é de 3.000 ha, atingindo além de três aldeias indígenas, a parte sul do Parque Nacional do Catimbau, o 20 maior parque arqueológico do Brasil.

Com a chancela de que a energia eólica é uma fonte “limpa”, a legislação ambiental considera esta fonte energética de menor impacto (https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/576649-energia-eolica-nao-e-limpa), eximindo assim os empreendedores de apresentarem, para o processo de licenciamento, o Estudo de Impactos Ambiental (EIA) e o Relatório de Impactos do Meio Ambiente (RIMA). Assim, basta o empreendedor apresentar o Relatório Ambiental Simplificado (RAS). Que como o nome indica é “simplificado”.

Sem o EIA/RIMA para os projetos eólicos a “porteira está aberta” para empreendimentos que não atentam para os cuidados que se deva ter com as questões socioambientais, em todas as fases de implantação dos parques eólicos.

A motivação ao escrever este artigo é o que acontece hoje no Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA/PE), órgão colegiado, consultivo e deliberativo, formado por representantes de entidades governamentais e não governamentais. Diante de uma proposta aprovada de criação de um Grupo de Trabalho para discutir os impactos da energia eólica em Pernambuco, se pode perceber claramente a existência de uma aversão, para que não somente seja discutido este tema, como também uma censura a estudiosos e cientistas para discutirem, e opinarem neste fórum.

As pressões exercidas pelos “negócios do vento” são na direção de que não ocorra tal debate, nem que se reconheça os impactos causados, e nem que se acate a legislação vigente, procurando encontrar “brechas” que facilitem as agressões ao meio ambiente e as pessoas, com o apoio de funcionários públicos. A própria direção da Abeeólica tem exercido um forte e poderoso “lobby” para evitar a discussão dos impactos causados e as propostas para minimizar os problemas decorrentes do “mau” uso desta importante fonte energética renovável. Inclusive nas últimas entrevistas da presidenta executiva desta organização tem “alertado/ameaçado” os estados nordestinos que caso ocorra cobranças e exigências a seus filiados, estes poderiam abortar projetos, e ir para outro estado que tenha maior flexibilidade em sua política ambiental com relação as eólicas. (http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/se-o-estado-aplica-uma-meta-restritiva-vai-perder-investimento-diz-presidente-da-abbea-lica/531840)

Então, diante de fatos que mostram a negação dos efeitos trágicos que o modelo de expansão das eólicas adotado tem produzido, perguntas que não querem calar vêm à tona “A quem interessa não discutir os impactos socioambientais dos negócios do vento? Por que o poder público nega, dificulta e inibe tal discussão?

Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco*

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