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Indígenas buscam autonomia e prosperidade usando terras para o agronegócio

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Foto: reprodução

Por David Ágape, especial para a Gazeta do Povo

Cada vez mais indígenas quebram estereótipos e criam diversas cooperativas e associações com um único propósito: o desenvolvimento das populações indígenas. Sem perder a sua identidade, se tornam agricultores, pecuaristas e mineradores; muitos com formação universitária. Aplicando tecnologias de última geração, conseguem não apenas alimentar o seu povo, mas gerar renda para as suas aldeias e para as populações no entorno. Seguindo estes exemplos, muitas outras aldeias procuram aplicar estas atividades em suas terras.

Entretanto, estes têm recebido forte antagonismo de instituições como o Ministério Público (MP), ONGs e políticos, que acreditam que os indígenas estão sendo manipulados para que suas terras sejam exploradas pelo agronegócio. Em resposta, os indígenas desenvolvimentistas se unem para buscar apoio e atualizações na legislação, em uma luta pelo seu direito de se sustentar sem depender do Estado.

Existem hoje dois Projetos de Lei (PLs) tramitando no legislativo que tratam do desenvolvimento em terra indígena. O PL 191/2020 é uma proposta do governo que visa regulamentar a extração mineral em terra indígena. A proposta se encontra parada na mesa diretora da Câmara, aguardando que o presidente da casa autorize a instalação de uma Comissão Especial para apreciação do projeto.

O outro é o PL 490/2007, que cria condições para a demarcação de terra indígena, condicionando a presença dos indígenas desde outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição, o chamado Marco Temporal. Além disso, o PL também permite a exploração de minérios em terra indígena.

Este PL, de autoria do então deputado federal Homero Pereira (PP-MT), protocolado em 2007, já passou por diversas alterações, mas foi aprovado este ano pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ) da Câmara, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF). O Supremo Tribunal Federal (STF) está votando desde 26 de agosto sobre este tema. Centenas de indígenas permanecem acampados em Brasília para pressionar os ministros a votar contra o projeto de lei. Os indígenas desenvolvimentistas se dizem a favor do Marco temporal porque esperam que seja um passo para a pacificação do país.

Atraso
Para o advogado Ubiratan Maia, indígena da etnia Wapixana de Roraima, e presidente da recém criada União Nacional Indígena Brasileira (Unib), que pretende representar os indígenas desenvolvimentistas do Brasil, hoje, depois de mais de 30 anos da Constituição de 88, os indígenas brasileiros permanecem em um estado deficitário de desenvolvimento, enquanto o restante do mundo avança economicamente e tecnologicamente.

“Não podemos mais nos permitir perder mais uma ou duas gerações por causa desse marasmo legislativo, temos que ter novos entendimentos. O mundo mudou, temos uma economia totalmente globalizada. É preciso que os indígenas façam parte de fato da cadeia nacional de desenvolvimento. Inseridos no século XXI, e como tal, portadores de direitos e deveres”, diz.

Ubiratan cita exemplos de indígenas de outros países que são exemplo de sucesso no desenvolvimento de suas aldeias. Os semínoles, nos Estados Unidos, são donos de cassinos e uma rede hoteleira, e em 2006 compraram a rede Hard Rock Cafe por 965 milhões de dólares. A etnia Lapão, que vive em países do norte europeu, também conhecida com Sami, é sócia da indústria petroleira e pesqueira. No Canadá, indígenas são donos de empresas em diversas áreas, como a extração de diamantes, por exemplo. E ainda há vários outros exemplos na Rússia, Japão, Nova Zelândia e Austrália.

“A partir desses exemplos é possível dizer que é possível ser administrador de uma empresa bem sucedida e continuar com sua cultura indígena”, afirma Ubiratan. Para ele, o que define ser indígena é se reconhecer como tal e também ser reconhecido pela própria comunidade como indígena.

Influência das ONGs
Mas nem todos os indígenas veem com bons olhos essa modernização. Indígenas ligados a ONGs como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Centro de Trabalho Indigenista (CTI), constantemente ouvidos pela imprensa e convidados a fazer discursos na Europa, são chamados pejorativamente de “ongueiros” pelos indígenas que pretendem modernizar a gestão de suas terras.

“São os indígenas que geralmente vemos em Brasília protestando contra o agronegócio e a mineração, que ficam em acampamentos de ONGs e vivem como em uma ‘matrix’. É difícil para eles saírem desta bolha ongueira. Isso os impede de vislumbrar um futuro melhor, porque os anos vão se passar, outras gerações virão e estarão, infelizmente, vinculadas a uma pensamento que não é o da maioria dos indígenas”, conta Ubiratan.

Segundo o cacique Raimundo Cinta Larga, da etnia Cinta Larga de Rondônia, no município de Vilhena, muitos destes “ongueiros” não querem que os indígenas avancem por terem interesses financeiros. Em alguns casos, ONGs compram lideranças para conseguir obter o que querem, enquanto o restante do povo sofre com a miséria.

“A eles interessa que o índio permaneça na mesma situação do passado. Na nossa área, não aceitamos pessoas que querem vir só pra buscar o recurso de fora do país e atrapalhar nossa convivência”, diz.

Em abril, no Dia do Índio, uma comitiva de indígenas da etnia Munduruku foi até Brasília para apresentar às autoridades suas reivindicações, trazendo cartazes que exigiam a saída das ONGs do seu território. Na ocasião, o MPF enviou nota a diversas autoridades dizendo que os Munduruku não deveriam ser recebidos, justificando que estariam sendo manipulados por garimpeiros.

“A terra é nossa e não vamos mais admitir a intervenção de quem quer que seja, muito menos das ONGs e do MPF. Chega de sermos manipulados por ‘ongueiros’ que só querem nos usar como cobaias ou escudos humanos contra o nosso próprio desenvolvimento”, afirmou o indígena Francenildo Kaba Munduruku, de 38 anos, então presidente da Associação Indígena Pusuru e líder da comitiva.

Ubiratan é advogado dos indígenas Munduruku, e conta que eles têm sofrido com investidas do MPF e de operações da PF em suas terras. Em uma das últimas operações, aldeias inteiras foram incendiadas, confundidas com acampamentos de garimpeiros. Diversos maquinários utilizados pelos indígenas, que chegam a custar quase R$ 700 mil, foram incendiados também. Impedindo que os Munduruku realizem a mineração, atividade que vêm fazendo há quase 30 anos.
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