A vez dos solos do Semiárido

Por Geraldo Eugênio / Jornal O Sertão*
O Brasil está prestes a receber um dos mais importantes eventos mundiais sobre a saúde do planeta Terra, a COP-30, também conhecida como Conferência das Partes. O simbolismo de haver escolhido a cidade de Belém, no Pará, como local para esta reunião de líderes de dezenas de países não foi ao acaso. Representa um sinal claro da importância que o país dá ao clima e sua conexão com as florestas tropicais. Não é demais dizer que esta conferência terá como pano de fundo a Amazônia e as florestas úmidas da África e da Ásia, como prioridade.
Chegou o momento de chamar a atenção da humanidade para as regiões áridas e semiáridas do planeta por algumas razões. Neste cenário de alterações ambientais, considere-se que são nelas onde ocorrem as batalhas campais mais intensas. São nessas áreas, historicamente submetidas a altas temperaturas e baixas precipitações, onde o impacto sobre a alteração, por mínima que seja, repercute em maior intensidade. É neste ambiente também onde se encontra o que existe de mais valioso do ponto de vista biológico, econômico e de sustentabilidade à vida futura da espécie humana, o material genético disponível e fruto de milhões de anos de evolução.
Desta feita, que se aproveite a COP 30 para se apresentar uma demanda estratégica, que a próxima reunião das partes ocorra em uma localidade representativa das regiões semiáridas do mundo. Já que não pode se repetir dois encontros subsequentes no mesmo país, ao invés de Petrolina ou Teresina, por que não Hyderabad, na Índia; Chengdu, na China ou Hermosillo, no México? O fato é que está mais do que nítido a necessidade de se investir tempo, energia, inteligência, conhecimento e recursos onde se encontra a arca da esperança.
Sempre o clima.
De forma mais do que justa, a reunião tem se pautado, prioritariamente, no que existe de mais impactante: o aquecimento global e a influência do homem a partir das demandas criadas e impostas ao planeta por uma vida mais confortável, próspera e até mais cômoda do que poderia ser. Os dados não são exagerados e, para aqueles que não duvidam dos registros e análises, podem ser considerados quase apocalípticos. Ano após ano, o que se vê é um aumento incontrolável das temperaturas médias e dos eventos extremos, sejam secas de micro a macro duração e abrangência ou inundações devastadoras. Essas ocorrências se tornam mais frequentes e mais intensas, enquanto isto, o padrão de chuvas muda, acompanhado de um volume total de água menor, disponível nas áreas em referência.
Que se tenha a sensibilidade de se trazer questões diretas sobre a biodiversidade, os riscos de uma catástrofe ambiental com o desaparecimento em massa de dezenas de espécies, a preservação do que resta de cobertura vegetal intocada ou minimamente perturbada, a imersão na genômica desse ativo e o uso em benefício da humanidade e daqueles que habitam esses ecossistemas e são os guardiões da biodiversidade e da vida.
O solo é vida.
Em se tratando de entes que constituem esse bioma, há um que, de modo geral, é negligenciado ou não valorizado em sua importância: o solo. Hoje há um reconhecimento da colcha de retalhos que são os solos do semiárido. No caso do Brasil, com uma extensão de um milhão e cem mil quilômetros quadrados, se conta com centenas de unidades geoambientais, o que demanda um esforço permanente de atenção.
Para boa parte das pessoas, o solo é constituído por minerais, fundamentalmente silte, areia e argila, e com isto basta uma boa análise mineralógica e posteriormente de fertilidade, o conhecimento sobre este ser está resolvido. Ocorre que o solo, além da constituição mineral, obrigatoriamente é formado por uma fração biológica de importância equivalente, a biodiversidade constituída pelas raízes das plantas, os microrganismos, os animais invertebrados e vertebrados e ciclagem dessa matéria orgânica que, em sua amplitude, forma desde o petróleo ao composto que será aplicado no enriquecimento e na fertilidade de nossas fruteiras, hortaliças, ornamentais e condimentares. Trocando em miúdos, o solo é vida e deve ser visto nesta perspectiva.
Conservação e manejo.
Considerando a importância de preservar o que a natureza presenteou ao homem, ver ser retomada uma agenda política e técnica diretamente relacionada à conservação dos solos do Brasil é algo salutar. Assim, há de se reconhecer o esforço da CONFAEAB – Confederação de Engenheiros Agrônomos do Brasil, que desde há cerca de quatro anos tomou para si a responsabilidade de revigorar essa discussão e costurar a elaboração e tramitação de uma lei específica sobre Conservação do Solo. Este instrumento legal encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados, hoje recebendo o apoio de outras entidades representativas da agricultura e do meio ambiente.
Em traduzindo esta preocupação para o estado de Pernambuco, ao se debruçar sobre um mapa de solos disponível, há se reconhecer quão frágil é esta camada que sustenta e interage com a vida. Na maioria dos casos, são solos litólicos, rasos, com rochas afluentes, baixa capacidade de retenção de água, apesar da fertilidade ser considerada de alta a média.
Em qualquer curso de Agronomia, há uma disciplina de Manejo e Conservação de Solos. Em poucas escolas e instituições de pesquisa há um aparato experimental que sustente o conhecimento teórico, de modo contínuo e permanente, com tanques de medição da erosão, lisímetros, sondas e outros instrumentos. Apesar do esforço de um grande conjunto de professores, nem sempre se consegue demonstrar quão importante é contar com este conhecimento básico que permita uma discussão efetiva sobre o uso de plantio em curvas de nível, rotação de culturas, plantas de cobertura, plantio direto, ILPF – Integração lavoura x pecuária x floresta erecuperação de áreas degradadas.
É neste sentido que, há pouco mais de dois meses da COP 30, se chama a atenção para se debruçar sobre o semiárido, sem esquecer que, dentre os grandes temas, tratar de seus solos e da conservação desses é algo de natureza diferenciada. Afinal, a natureza, em seu trabalho ininterrupto, necessita de dezenas de milhares de anos para intemperizar a rocha mãe e transformá-la em um centímetro de solo agricultável. Incrível, não é?
Professor titular da UFRPE-UAST